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Uma Viagem ao Passado: A Bragança do Século XIX

Na manhã de 2 de janeiro de 2024, eu e o meu companheiro invisível – o leitor – atravessávamos, sem grande pressa, as pedras gastas do Castelo de Bragança.


Era um dia cinzento, com chuviscos, como convém a esta época do ano, e o silêncio pairava no ar, pesado, mas confortante.


Porém, à medida que nos aproximávamos da imponente entrada principal, um arrepio inesperado atravessou-nos o corpo. Algo estranho estava prestes a acontecer.


Ao cruzarmos o limiar daquelas paredes antigas, tudo ao nosso redor começou a mudar. As formas, as cores, até o próprio ar.


De repente, já não estávamos em 2024.


O mundo moderno desaparecera num piscar de olhos, e o século XIX erguia-se diante de nós com a sua solenidade pesada e o ritmo vagaroso.


As ruas de terra batida e outras calcetadas de Bragança, agora povoadas por homens de chapéu e mulheres de longos vestidos de lã, pareciam tão familiares e, ao mesmo tempo, distantes.


Onde estavam os carros, o som das notificações dos telemóveis, as luzes artificiais que inundam as noites da cidade?


Nada disso. Apenas o som de cascos de cavalos, das rodas das carroças e dos gritos dos vendedores no mercado, onde tudo parecia ter parado no tempo.


Havia algo de incrivelmente simples neste mundo.


A modernidade, com toda a sua pressa e desumanidade, não tinha lugar aqui. E, por mais estranho que parecesse, aquele mundo – tão diferente do nosso – respirava uma verdade que, muitas vezes, nos escapa.


Enquanto caminhávamos pelas ruelas estreitas, um sentimento de melancolia misturado com espanto tomava conta de nós.


As pessoas, vestidas de forma humilde, não carregavam nos ombros o peso da informação constante, da agitação das redes sociais, das horas passadas em frente a ecrãs luminosos.


Viviam, sim, com a dureza do trabalho manual, mas havia algo que os nossos olhos modernos não podiam ignorar: uma paz ancestral.


Um regresso ao século XIX, com as suas dificuldades e limitações, mas também com a sua profunda ligação à terra, ao tempo natural.


Não havia a alienação que o século XXI apresenta.


Em cada gesto, em cada palavra trocada nas feiras, notava-se uma conexão humana autêntica, uma presença que a nossa era digital parece ter substituído por curtidas e emojis. O contraste era inegável.


O Castelo de Bragança, que no nosso tempo se erguia como um monumento à história, era aqui uma fortaleza viva, cheia de soldados e de vida militar.


As bandeiras tremulavam ao vento, e o som de espadas a tilintar ecoava pelo ar.


O peso da responsabilidade monárquica ainda podia ser sentido em cada pedra daquela construção milenar.


No século XIX, a autoridade do rei ainda reinava, o poder da Igreja era uma presença omnipresente, e o sistema social era implacavelmente hierárquico.


Contudo, os nossos pensamentos regressam rapidamente ao presente, pois algo nos perturbava.


Será que ganhámos ou perdemos ao longo deste tempo?


A velocidade do progresso trouxe-nos inovações incríveis – a medicina, os transportes, a comunicação instantânea – mas, ao mesmo tempo, perdemos algo no caminho. Talvez tenha sido a simplicidade das relações, o valor da paciência, ou a capacidade de escutar o silêncio.


Neste regresso súbito ao passado, compreendemos que o século XXI nos oferece a ilusão do controlo sobre a natureza, sobre o tempo, sobre as nossas próprias vidas. Mas, na verdade, somos mais controlados do que nunca: pelas horas de trabalho, pelas obrigações digitais, pelas expectativas sociais que nos levam sempre a querer mais, sem nunca parar para respirar.


No século XIX, as dificuldades eram outras, sim, mas as pessoas tinham algo que nós perdemos – tempo. Tempo para estar, para ser, para sentir.


À medida que voltávamos a caminhar em direção à saída da muralha do castelo, sentíamos o peso desta reflexão.


Regressar ao século XXI não seria fácil depois de termos sentido o que o século XIX ainda tem para nos ensinar.


O progresso trouxe-nos imensas bênçãos, mas também nos afastou do essencial. Talvez, na correria diária, devêssemos aprender a ouvir o eco das pedras antigas, a lembrar-nos de que, por mais que avancemos, há verdades atemporais que nunca deviam ser esquecidas.


Ao cruzarmos, finalmente, a saída de regresso ao presente, olhamos para trás uma última vez.


O século XIX estava lá, à espera, guardando em si os segredos de uma vida mais simples, mais humana. E, ainda que o tempo continue a avançar, talvez seja necessário, de tempos em tempos, regressarmos a esses dias em que o silêncio tinha tanto para nos dizer.


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