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Uma efeméride oportuna | A Inquisição em Portugal foi extinta há 200 anos

Uma efeméride oportuna | A Inquisição em Portugal foi extinta há 200 anos e a memória não foi apagada...


As Cortes Gerais e Constituintes da Nação Portuguesa estavam reunidas desde 26 de Janeiro no Palácio das Necessidades. Para além de preparar a futura Constituição, irão aprovar diversas leis tendentes a eliminar práticas e instituições do absolutismo, consideradas incompatíveis com a nova ordem em construção.


Na sessão de 5 de Fevereiro de 1821, o deputado Francisco Simões Margiochi apresentou propostas visando a abolição dos tributos vis, a abertura das prisões, a abolição do Juízo da Inconfidência, a limitação do poder da polícia e a abolição do Tribunal da Inquisição. Francisco Margiochi (1774-1838) fora preso em 1797, acusado da autoria de um poema de cariz jacobino. Bacharel em Matemática pela Universidade de Coimbra (1789) e oficial da Armada Real, foi lente substituto de Cálculo e Foronomia da Academia de Marinha, professor da Academia dos Guardas Marinhas e sócio da Real Academia das Ciências de Lisboa. Participou na luta contra os franceses, pela escrita – foi autor de várias publicações contra os invasores - e pelas armas, integrado no Real Corpo de Engenheiros, estando envolvido na construção das Linhas de Torres.


Eleito deputado às Cortes Gerais e Constituintes da Nação Portuguesa (1821-1822) e depois às Cortes Ordinárias (1822), partiu para o exílio em Inglaterra após o golpe da Vila-Francada (1823), de que resultou a sua demissão do Exército. Colaborou no periódico O Popular, com Almeida Garrett e outros emigrados, regressou a Portugal em 1826, foi reintegrado no Exército, mas a realeza de D. Miguel, em 1828, levou-o mais uma vez ao exílio, sendo considerado desertor e, como tal, novamente demitido. Não acompanhou a expedição de D. Pedro aos Açores e depois ao Porto, prosseguindo no estrangeiro a sua actividade científica. Só regressou em 1832, com Saldanha e outros exilados. Promovido a tenente-coronel, passou a integrar o Real Corpo de Engenheiros durante o Cerco do Porto. Acompanhou o Duque de Bragança na sua entrada em Lisboa, foi nomeado Conselheiro de Estado Vitalício, Par do Reino e ministro da Marinha (1833). Terminou os seus dias como lente jubilado da Academia de Marinha, coronel do Exército e Vice-Presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, deixando uma obra científica significativa. O projecto de Margiochi para abolição do Tribunal da Inquisição, era do seguinte teor:

«1. Os Tribunais da Inquisição ficam extintos no Reino de Portugal, como já o foram há muito nos outros Domínios Portugueses.

2. Seu poder espiritual fica sendo, como deve, uma atribuição Episcopal.

3. Os seus Cartórios serão remetidos para a Sala dos Manuscritos da Biblioteca Pública de Lisboa.

4. Os seus bens serão administrados, ou alienados como bens Nacionais.

5. Os seus Empregados conservarão a metade dos ordenados».

O projecto foi discutido na sessão de 24 de Março e aprovado por unanimidade. No debate intervieram Borges Carneiro, com posições mais radicais, António Teixeira Girão, João Martins Soares Castelo Branco (membro do Conselho Geral do Santo Ofício) - que justificou a crueldade da Inquisição com a mentalidade da época, mas manifestou-se favorável à extinção - Alexandre Morais Sarmento, Francisco Morais Pessanha, Francisco Soares Franco, José Joaquim Ferreira de Moura.

José Mendonça de Ferrão e Sousa, prior dos Anjos, propôs «que todos os estúpidos, e bárbaros processos de feitiçarias, de judaísmo, e outros semelhantes, pelos quais fizeram aparecer sobre os cadafalsos públicos em hábitos de infâmia 23 068 réus recebidos, e 1454 condenados ao fogo, infamando assim tantos milhares de famílias de todas as classes da Nação; que todos esses processos sejam queimados sobre um cadafalso no meio do Rocio. Último Auto de Fé que os reduza a cinzas, para que mais se não saibam as manchas com que denigriram tantas famílias inocentes». Seria uma forma de obliterar o passado. Mas Margiochi manifestou-se contrário a tal prática:

«É preciso conservar abertos esses cárceres para podermos ir lá muitas vezes meditar sobre as desgraças da humanidade».

A memória não foi apagada...

A 31 de Março era, finalmente, publicada o decreto que abolia Inquisição.

Instituída em Portugal pela bula do Papa Paulo II, Cum ad nihil magis, de 23 de Maio de 1536, perdendo vitalidade no tempo de Pombal, era, assim, extinto o Tribunal do Santo Ofício, para não mais ser restaurado, nem sequer durante o reinado de D. Miguel. Duzentos anos depois, quando ainda subsistem na sociedade portuguesa resquícios inquisitoriais, evocamos esta efeméride…

Uma efeméride oportuna |  A Inquisição em Portugal foi extinta há 200 anos e a memória não foi apagada...
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