Poema de ANTÓNIO ARNAUT lido, em 20 de maio de 2018, numa Tertúlia de Poesia.
PAISAGEM
O que me dói nesta paisagem não é o rio que corre dentro de mim, nem as árvores chorosas que povoam a noite vagabunda dos sonâmbulos.
O que me dói não são as folhas perdidas na avareza da corrente, nem os choupos hirtos que entristecem o céu toldado de presságios. O que me dói não são os barcos ausentes do afeto conjugal dos rios, nem as searas crispadas pelo desejo de serem finalmente pão em nossas bocas. O que me dói não são as lavadeiras viúvas esfregando a dor na roupa suja dos outros, nem os filhos chafurdando na água a fome dos brinquedos que nunca tiveram. O que me dói é o espelho partido da minha infância e a infância de todos os meninos sem espelho.
António Arnaut
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