A entrevista de um juiz, ao Notícias Magazine, que defende a residência alternada mesmo em situações de conflito parental, apresenta uma série de argumentos que merecem uma análise crítica.
Embora as intenções de proteger os filhos e promover a igualdade entre os pais sejam louváveis, é necessário considerar os riscos e as nuances que essa abordagem está a ignorar.
1. Residência Alternada em Situações de Conflito:
O senhor juiz argumenta que a residência alternada pode, paradoxalmente, diminuir o conflito entre os pais, pois impõe uma "igualdade" que os responsabiliza por proteger os filhos.
No entanto, essa visão é simplista.
Estudos indicam que a residência alternada, em contextos de alto conflito, pode aumentar o stress e a insegurança das crianças, que se veem forçadas a adaptar-se constantemente a ambientes instáveis.
Crianças em situação de conflito parental muitas vezes já enfrentam altos níveis de ansiedade e insegurança, e a alternância entre dois lares pode exacerbar esses sentimentos, levando a problemas emocionais e comportamentais.
2. A Falta de Foco na “Pessoa de Referência”:
O juiz desvaloriza o conceito de “pessoa de referência”, sugerindo que a presença física dos pais em duas casas é mais importante do que a estabilidade emocional que uma única figura de apego pode oferecer.
A teoria do apego, amplamente aceite na psicologia, sublinha a importância de uma figura de referência consistente, especialmente nos primeiros anos de vida, para o desenvolvimento saudável da criança.
A alternância constante interrompe a continuidade desse apego, causando insegurança e dificultando o desenvolvimento emocional saudável.
3. Generalização dos Benefícios da Residência Alternada:
O juiz menciona que observou um melhor desenvolvimento em crianças sob residência alternada, comparado às que estavam sob residência exclusiva.
No entanto, ele não fornece dados concretos ou estatísticas para sustentar essa afirmação, além de ignorar a vasta literatura que aponta os desafios dessa prática, especialmente em situações de alto conflito.
A generalização dos benefícios sem uma análise profunda dos casos específicos pode levar a decisões judiciais que, embora bem-intencionadas, não atendem aos melhores interesses de todas as crianças.
4. Impacto nas Crianças Pequenas:
O juiz argumenta que a residência alternada pode ser benéfica até mesmo para bebês, o que contraria a visão de muitos especialistas em desenvolvimento infantil.
Nos primeiros anos de vida, a constância e a previsibilidade são cruciais para o desenvolvimento seguro.
A alternância entre casas causa confusão e insegurança, prejudicando a formação de um vínculo seguro com o cuidador principal.
5. Pressão sobre as Mães:
Embora o juiz afirme que sua abordagem promove a igualdade de género, há uma falta de reconhecimento das pressões sociais e emocionais específicas que as mães enfrentam.
Muitas mulheres podem sentir-se forçadas a aceitar a residência alternada por medo de serem vistas como "más mães" ou de perderem a custódia parcial dos filhos.
A verdadeira igualdade parental não deve ser imposta de maneira coercitiva, mas sim construída com base no diálogo, na cooperação e no reconhecimento das necessidades específicas de cada criança e família.
A posição do juiz Joaquim Manuel Silva, ao defender a residência alternada como uma solução quase universal, especialmente em casos de conflito, não leva em conta as complexidades e os riscos associados a essa prática.
Cada família é única, e as decisões judiciais devem ser personalizadas para atender às necessidades específicas das crianças envolvidas, dando prioridade sempre ao bem-estar emocional e psicológico das crianças, acima de qualquer ideologia ou teoria.
A imposição de um modelo único, sem considerar os potenciais efeitos adversos, pode comprometer o desenvolvimento saudável das crianças, transformando uma medida destinada a protegê-las numa fonte adicional de conflito e instabilidade.
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