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O INALIENÁVEL DEVER DE HOSPITALIDADE MAÇÓNICA

O INALIENÁVEL DEVER DE HOSPITALIDADE MAÇÓNICA


Numa prancha aqui publicada, já tinha referido que a Arte Real é uma arte de caminhar, de deambular, «semelhante à dos antigos cavaleiros andantes, e dos antigos peregrinos, que exige uma predisposição própria de espírito livre, atento, prático e aventureiro. essencial a um bom andarilho e comum aos heróis.»


E que a «mesma liberdade, desprendimento, ascese, que surpreendem o andarilho com a novidade de uma paisagem… correspondem em maçonaria à Liberdade, Tolerância, Curiosidade do Companheiro que se admira e emudece perante a vastidão surpreendente e bela do Universo, descoberta através do seu estudo constante, e cujo segredo lhe é revelado na cerimónia de Elevação»


Pois a viagem do andarilho ou viajante em busca dos limites da terra e do universo, das particularidades das paisagens, configura simbolicamente a mesma viagem interna do sujeito à procura de si mesmo, que é o único objectivo da Arte Real.


O viajante ou andarilho, faz-se ao caminho sem preocupação com a subsistência, porque existe um costume sagrado que garante a todos os peregrinos abrigo e pão.

Este costume, tem, a princípio, como paradigma primordial a Odisseia, que narra o retorno de Ulisses de Tróia a Ítaca, que qualifica como “o homem astuto que muito vagou” (Od., 1. 1) para o distinguir dos outros heróis como Heitor ou Aquiles.


A narrativa começa com um episódio de desrespeito das regras de hospitalidade, o do rapto de Helena por Páris.


E o epílogo pelo facto de, tendo sido oferecida, segundo a tradição, hospedagem aos seus pares na ausência de Ulisses, a casa deste foi ocupada pelos pretendentes, tirando vantagem indevida do código de hospitalidade.


O próprio relato da viagem de regresso do herói, é um conjunto de episódios de hospitalidade, ou falta dela, que afecta Ulisses por toda a narrativa até que regressa a Ìtaca disfarçado de pedinte, sendo recebido pelo fiel porqueiro Eumeu, o qual, desconhecendo a sua identidade, o exorta a comer, beber e descansar, seguindo os rituais próprios da tradição de hospitalidade:


“Tendo isso dito, o divino porqueiro o levou para dentro e o fez sentar-se, depois de espalhar pelo chão ramos secos, sobre os quais pele de cabra montesa estendeu, grande espessa, onde ele próprio ia dormir. Odisseu alegrou-se por ver-se assim recebido; e, para ele, virando-se, disse:

‘Hospedeiro, Zeus te conceda, e as demais sempiternas deidades, tudo que na alma desejas, por teres assim me acolhido. ‘ Deu-lhe , Eumeu, em resposta as seguintes palavras aladas; ‘Menosprezar, não costumo nenhum estrangeiro, ainda mesmo em pior estado que tu. Todos eles por Zeus são mandados, os indigentes e os hospedeiros, pouco, realmente, podemos te oferecer, mas de grado o fazemos”. (Odisseia, 14: 48-59)


Mas a Hospitalidade na sociedade homérica, não era imposta por lei positiva ou uma ética dependente de religião, mas resultava das boas maneiras de convívio, que evitavam o caos social, como se depreende da seguinte passagem da odisseia, quando Ulisses pede hospitalidade aos Ciclopes e estes, a recusando, lhe respondem:

“És bem simplório, estrangeiro, ou de longes paragens chegado, para exortar-me, assim, a que os deuses acate e os evite. Nós, os Ciclopes, não temos receio de Zeus poderoso, nem dos mais deuses beatos, pois somos mais fortes que todos. Pelo respeito de Zeus, tão somente, não te pouparia, nem a teus sócios, se a tanto meu peito não fosse inclinado’.” (Odissria, 266-78)


Ela fazia parte dos usos sociais, promovia o desenvolvimento cultural, contribuía para o florescimento do humano em valores como amizade, respeito e justiça, fortemente reiterada na narrativa homérica por uma praxe, como por exemplo no episódio em que o filho de Ulisses se despede da corte de Menelau, ou quando os Feácios recebem Ulisses, e consistia numa calorosa hospedagem com um bom banho, roupas e presentes para a partida, farta refeição, e só então o visitante era interrogado a respeito do nome e da origem.


À viagem do herói ou do peregrino estava sempre associado o dever de hospitalidade como à arte real como símbolo espiritual daquela viagem está.


E como na antiguidade homérica, a hospitalidade não depende do conhecimento prévio da identidade do herói ou do indivíduo, mas da constatação do facto de que é um viajante, um estrangeiro que pede ou necessita de abrigo.


Por isso, quando a um visitante se pergunta em Loja “de onde vens”, e quando ele responde “venho de uma Loja de S. João” e se segue o seguinte interrogatório e respostas, é apenas a revivência do mesmo processo de reconhecimento (anagnórisis), posterior ao acolhimento, pelo qual passou Ulisses, que lhe permitiu se reintegrar na família e no lar e instalar a ordem familiar.


A Hospitalidade não depende de qualquer reconhecimento prévio da identidade ou qualidade do viajante, nem do maçon.


Ao viajante, basta-lhe viajar, como ao maçon basta praticar a arte real para ter direito à hospitalidade.


Fazer por isso depender a hospitalidade maçónica de um reconhecimento prévio, ou condicioná-la a certas regras, é profundamente antimaçónico!


Tal como um viajante, ou estrangeiro, tem sempre direito a hospitalidade, seja qual o país em que se ache, um maçon seja qual for a porta da Loja a que bata deve esperar a mesma hospitalidade.


E a quem ela for solicitada, assiste o inalienável dever de a conceder.


Como diz o velho princípio maçónico:


"Respeita o viajante; auxilia -o; a sua pessoa é sagrada para ti"


Marco Aurélio M.’. M.’.


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