INQUÉRITO A ALEXANDRE HERCULANO
A 28 de novembro de 1871, na paz tranquila da sua quinta em Vale de Lobos, nos arredores de Santarém, onde residiu nos últimos dezoito anos de vida, cumprindo o sonho antigo de viver «entre quatro serras, com algumas jeiras de terra própria, umas botas e um chapéu de Braga», Alexandre Herculano (1810 – 1877) respondeu a um inquérito de um álbum (livro com muitas ilustrações, geralmente acompanhadas de pequenos textos) pertencente a uma das mais ilustres damas da sociedade portuense:
«Qual a sua virtude favorita? – A lealdade.
Que qualidades mais aprecia no homem? – A franqueza.
E na mulher? – A timidez.
Qual é a sua ocupação favorita? – Trabalhar, livremente, no campo.
O principal atributo do seu caráter? – A pouca capacidade de conter a indignação.
O seu sonho de felicidade? – A felicidade é uma sombra que se procura às apalpadelas nas profundezas obscuras do futuro.
Que pensa da infelicidade? – A infelicidade atinge-nos quando chegamos ao ponto de não ter a força e o bom senso necessários para aceitar a realidade da vida.
Os seus poetas preferidos? – Já não leio poetas.
Os seus pintores e músicos preferidos? – Deus, a quem se devem os quadros maravilhosos do nascer e do pôr-do-sol neste país de colinas, cheio de árvores, é presentemente o meu único pintor; o rouxinol que canta ao luar numa noite de primavera empoleirado num choupo gemebundo inclinado sobre um regato que murmura, é o meu único músico. Gosto todavia de Martin, pintor do espaço, e de Bellini a quem chamam o compositor ignorante.
O seu herói na vida real? – Não gosto de heróis.
E a sua heroína? – Também não gosto de heroínas.
Os seus heróis e heroínas preferidos na ficção? – Os heróis e heroínas agradam-me quando nos seus caracteres encontro algo de terrível e de impenetrável. São pesadelos escritos em vez de pesadelos sonhados. O pesadelo dá por vezes aquilo a que chamo o prazer do horror que tem por mim um grande atrativo.
O que é que mais detesta? – Entre os Homens a hipocrisia; entre os animais os répteis. Qualquer deles é viscoso.
Caracteres históricos que mais abomina? – Os tiranos. Creio todavia que detesto um pouco mais os falsos amigos do povo.
Estado presente do seu espírito? – Não o posso descrever em duas ou três linhas.
Que culpas a seu ver requerem mais indulgência? – As da gramática nos países onde não há escolas suficientes ou não existem boas escolas.
A sua divisa? – “Querer é poder”. Toda a gente deseja, só os grandes caracteres querem.»
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