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Há notícias que nos deixam esmagados | O pequeno Tasso tinha apenas três anos | EM PORTUGAL

POSTAL DO DIA


Como foi possível?


1. Há notícias que nos deixam esmagados.

Mesmo agora que parece ser o tempo em que nada nos parece poder surpreender, mesmo agora que somos bombardeados com o inominável, há coisas que nos entorpecem os sentidos, que nos puxam para baixo e nos fazem questionar sobre o Mal, sobre a bestialidade, certamente sobre os abismos de que somos feitos.

Como foi possível ter acontecido o que aconteceu, em Grândola?

Como é possível que um pai possa matar o seu filho de três anos como vingança para o fim de uma relação?


2. O pequeno Tasso tinha apenas três anos.

Parecia um anjo.

E o pai era um designer famoso. Um dos mais bem pagos do mundo, um dos mais bem-sucedidos e completos.

Era um alemão do mundo, um criador de uma inteligência que embasbacavam os seus pares.


3. Como foi possível que tenha feito o que fez?

Que tenha queimado o seu próprio filho, um bebé de três anos, apenas porque a mãe de Tasso já não aguentava mais a relação?

Como foi possível?

Que loucura pode passar na cabeça de uma pessoa para fazer isto?

Para fazer o que fez com o único objetivo de transformar – como ele próprio disse – a vida da mãe de Tasso num inferno.


4. Se escrevo este postal é por três motivos.

Em primeiro, para vos dizer que a violência doméstica – no seu mais diabólico horror – não é um exclusivo de famílias pobres e sem educação.

É preciso sabermos isso.

A bestialidade existe em casas de todas as origens. Encontramo-la nas barracas ou bairros sociais, mas também nos condomínios fechados de luxo. Encontramo-la nos que não leem um livro, mas também nos que são capazes de citar Pavese ou Tolstoi. A violência entre quatro paredes não tem credos ou classes sociais, é tenebrosamente democrática.


5. Em segundo lugar para voltar à violência doméstica.

Para vos dizer – para te dizer – que não se pode dar uma segunda oportunidade a quem vos/te agride. Se uma pessoa agride uma vez irá continuar a fazê-lo, é a sua essência.

Temos muitas vezes a ideia de que salvamos as pessoas, que o amor as acabará por salvar porque o amor tudo salva. Muito raramente acontece. Há pessoas que não existem para ser salvas – pelo menos não neste mundo.


6. Em terceiro lugar, para vos contar uma história.

Um dia, numa tarde de 2018, no lançamento do meu livro “Mãe”, fui apresentá-lo a uma prisão em Bragança, o Estabelecimento Prisional de alta segurança de Izeda. Um preso, com um ar absolutamente “normal”, falou comigo no final da sessão. Depois de regressar à cela perguntei a um guarda prisional por que raio alguém assim tão “normal” estava ali preso há dez anos. Respondeu-me que cortara a mulher às postas com um machado.

Porquê, perguntei.

Por ciúmes, o habitual.


6. A polícia chama-lhes crimes de “amor”.

Foi por amor que aquele homem tão normal fez aquilo à mulher que se queria divorciar (retalhando-a enquanto chorava).

Foi por amor que o maluquinho alemão incendiou o seu pequeno Tasso de três anos.

É por amor que muitos cabrões espancam as suas mulheres ou namoradas, por lhes ser insuportável viver com a ideia de que aquela pessoa poderá ser de outro ou sequer olhar para outro.

É por amor uma merda.

O amor não é isso.

O amor simplesmente não é isso.

O amor é precisamente o contrário.

O amor não existe sem confiança e respeito pelo outro, pelo caminho do outro, pelas escolhas do outro mesmo que elas não nos incluam.


@Luís Osório

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