ELOGIO DO SILÊNCIO
Fazemos barulho. O que nós fazemos é muito barulho. Mas, bem vistas as coisas, apenas nos habita o silêncio de nós-mesmos. Claro que convivemos. Decerto que sim. Até inventámos um código de ruído que vocaliza letras e nos dá a possibilidade do que chamamos “comunicar”.
Com base nisto, criámos um sistema prodigioso. Cada um fala de si, depois nós ouvimos ou lemos o que os outros declaram e, finalmente, digerimos aquilo tudo com a mesmidade com que tragamos a nossa ração alimentar. Ou seja, tudo se converte num quilo gástrico que só nós absorveremos. Afinal, a “comunicação” é uma forma de ensimesmação, de um estar-comigo. E mais nada. Por isso é que é tão fácil sermos ferozes, ou genocidas, ou máquinas de matar.
Como só nos conhecemos a nós, apesar da ficção da “comunicação”, os outros são o radicalmente Outro, ou seja, o diferente. Não há clemência ou piedade para o diferente. Às vezes, as religiões, os escuteiros, os chás de caridade (ainda haverá disso?) ou as tertúlias convidam-nos a que simulemos exercícios de descentração. Nada feito. Quando muito, salva-se o decoro, a boa-vontade ou então o polimento. Conheci um dia uma pessoa que concordava sempre, no início das suas frases, com tudo o que os outros opinavam. “Mas, sim, perfeitamente, é isso mesmo. Contudo …” .
E o “contudo” era o derrancar da convergência, da simpatia, da paciência, da confraternidade. É por isso que carecemos tanto do silêncio. Para nos ouvirmos. Para sopesarmos os nossos solilóquios. E para concluirmos, no fim ( e sempre que possível): mas eu sou assim ? eu sou isto?
É que, sem o nosso silêncio prodigioso, nem sequer estaríamos a habitar a própria casa.
@Autor: A.H.
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