A Língua Portuguesa: Um Olhar Sobre as Suas Origens
A origem da língua portuguesa é um enigma ainda não totalmente resolvido, sendo que os filólogos frequentemente direcionaram mais atenção à sua evolução a partir do século XII do que às raízes mais remotas.
No entanto, é evidente que as diferenças dialetais que hoje reconhecemos no português já podiam ser identificadas em períodos anteriores, até mesmo na época romana, em regiões que viriam a compor a futura nação portuguesa. Este fenômeno, entretanto, não é exclusivo do português, uma vez que quase todas as línguas românicas podem reivindicar uma antiguidade semelhante.
Entre as várias razões apontadas pelos filólogos para explicar a diferenciação do latim vulgar, destacam-se o isolamento geográfico relativo de grupos, o surgimento de entidades políticas independentes, variações nas circunstâncias culturais e educacionais, o período de romanização, as diferenças dialetais entre os colonos, os substratos linguísticos originais e as sobreposições linguísticas subsequentes.
No entanto, é importante ressaltar que as diferenças dialetais entre os colonos desempenharam um papel crucial nesse processo, pois moldaram significativamente a língua.
As línguas indígenas tiveram pouca ou nenhuma influência no surgimento e na evolução do português. Sua contribuição para o vocabulário e a sintaxe foi praticamente nula, uma vez que foram os indígenas que aprenderam o latim, em vez dos romanos aprendendo os idiomas locais. Todas as formas de comunicação, legislação e o sistema educacional eram baseados no latim.
Assim, ao longo dos séculos, os indígenas podem ter falado dialetos locais mesclados com palavras e formas latinas, mas essa influência gradualmente se desvanecer e desaparecer.
A colonização romana desempenhou um papel significativo na difusão da língua latina e dos costumes romanos entre os indígenas. A influência das legiões romanas e das forças auxiliares na língua é um ponto a ser considerado.
Embora na Lusitânia, região do sul e centro de Portugal, não tenham estacionado legiões, havia colônias compostas por cidadãos romanos e outros itálicos.
Essas colônias, como Pax Iulia (futura Beja) e Seallabis Praesidium Iulium (futura Santarém), serviram como centros administrativos e estavam interligadas por estradas militares. Essa presença romana teve um impacto na evolução da língua.
Na Gallaecia, que mais tarde deu origem à Galiza, duas legiões estiveram estacionadas por um tempo na região de León, influenciando provavelmente o galaico-português.
No entanto, o português medieval primitivo não se limita apenas ao galaico-português, já que o dialeto ou dialetos falados na Lusitânia também desempenharam um papel importante. Mesmo na ausência de legiões, havia núcleos de colonos itálicos na região.
A chegada dos árabes no início do século VIII introduziu o segundo grande componente na língua portuguesa, com cerca de 600 palavras árabes incorporadas.
Essas palavras, em sua maioria, dizem respeito a vestuário, mobiliário, agricultura e instrumentos científicos, refletindo a influência da civilização muçulmana na Península Ibérica.
No entanto, à medida que o tempo passou e o domínio islâmico diminuiu, novas influências, como o francês, italiano e inglês, substituíram muitos desses termos árabes, tornando-os obsoletos.
A conquista muçulmana foi mais duradoura no centro e sul de Portugal, região onde o galaico-português não era falado. No entanto, a região ocidental, associada ao que poderia ser chamado de moçárabe, ou a língua dos moçárabes, evoluiu separadamente.
Embora as características dessa língua sejam pouco conhecidas, é inegável que tinha sua própria individualidade linguística.
Durante os séculos XI e XII, quando os exércitos cristãos avançaram para o sul de Portugal, o galaico-português e o lusitano-moçárabe entraram em contato direto e contínuo, resultando no surgimento do português como o conhecemos hoje.
A fusão desses dialetos levou à criação da língua portuguesa.
Atualmente, o português apresenta três grandes áreas dialetais em Portugal: a região norte, incluindo Minho e Trás-os-Montes; a região central, abrangendo a Beira; e a região sul, compreendendo o restante do país. Essa divisão norte-sul remonta ao período da Reconquista e continua a influenciar as variações dialetais da língua portuguesa.
Referências bibliográficas incluem obras de Ramón Menéndez-Pidal, Rafael Lapesa, Serafim da Silva Neto, Harri Meier e outros, que contribuíram significativamente para o estudo da filologia histórica da Península Ibérica e da língua portuguesa.
Também destacamos as gramáticas históricas e as obras de Jaime Cortesão e A. H. de Oliveira Marques, que abordaram a questão da individualidade dialetal no oeste da Península Ibérica como um fator importante na formação de Portugal.
Este texto é baseado numa publicação de M. Pereira, datada de 25 de maio de 2020, no Fórum deste site.
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