Maçonaria | Artigo: - A SIMPLICIDADE COMO ESCOLA DE MAÇONARIA
Alguns de nós já ouvimos falar das sete virtudes cardeais, opostas a outros tantos vícios que foram exaustivamente tratados na moral cristã, na literatura, filosofia, pintura, escultura e por autores como Sidônio Apolinário, Isidoro de Sevilha, Ávito, Gregório de Tours , Tomás de Aquino, Dante, Montesquieu, Kant, Nietzsche, entre outros.
Esta dicotomia de virtudes contraposta a vícios, tem origem num poema do século IV, de nome Psicomaquia, (Psychomachia –Batalha (mache) da alma (psyche), do escritor latino cristão Prudêncio, de seu nome completo Aurélio Clemente Prudêncio (em latim: Aurelius Clemens Prudentius), considerado o maior poeta cristão da Antiguidade tardia, onde as virtudes relacionadas com a fé cristã são atacadas e vencem os vícios relacionados com o paganismo.
A obra está dividida em duas partes, um Prefácio e o poema propriamente dito.
O prefácio está composto por 68 versos jâmbicos em que Prudêncio invoca passagens do VelhoTestamento relacionados à história de Abraão, Sara e Ló.
A segunda parte está composta por 915 versos e começa com uma invocação a Cristo, seguida dos combates entre os vícios e as virtudes, representadas como alegorias femininas. Os combates são sete no total.
A Fé contra o Paganismo e a Idolatria A Castidade contra a Luxúria A Paciência contra a Ira A Humildade e a Esperança contra o Orgulho e o Engano A Temperança contra a Libertinagem A Razão e a Caridade contra a Avareza A Unidade e a Fé contra a Discórdia chamada Heresia
Os últimos versos (após o verso 725) descrevem a construção do Templo da Alma, no qual a Sabedoria reina sobre as outras virtudes.
A Humildade, é pois, uma destas sete virtudes tratadas na obra, que se opõe a outro dos sete vícios, a Vaidade.
A Humildade (do lat. Humilitas – baixo, Humus - terreno) é filha da esperança e mãe da verdade. A Vaidade (do lat. Vanitas – vacuidade, futtilidade) é filha do Orgulho e mãe do Engano.
A Humildade é considerada pela maioria das pessoas como a virtude que dá o sentimento exacto do nosso bom senso ao nos avaliarmos em relação às outras pessoas, sendo frequentemente associada a outras Características como cordialidade, , respeito, simplicidade e honestidade.
No livro a Linguagem do Deuses, de Antóio Carlos Farjani, humildade provém também da palavra humus, relativo à terra. "A fórmula latina homo-humus-humilis é altamente esclarecedora: assim como o universo advém do Caos e a ele retorna no final de cada ciclo, o homem, produto da terra, a ela retornará no fim da sua existência, quando então será 'humilhado', isto é, rebaixado ao húmus, por ocasião de seu sepultamento, e passará a fazer parte do elemento fértil subjacente ao solo.
Do ponto de vista esotérico, esse retorno ao seio da terra não coincide com a morte do corpo, mas com a morte do eu profano ocorrida na iniciação. Descer ao húmus, nesse contexto, equivale a descer ao Hades, ou seja, os Infernos ou o Reino dos Mortos; essa 'descida' é feita em vida pelo iniciado, e consiste numa viagem interior."
Ninguém se humilhou mais que Cristo: "sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz" (Filipenses 2:6-8).
As religiões tendem a associar a humildade ao reconhecimento da superioridade divina. Todos os seres humanos são iguais aos olhos de Deus, devendo agir e comportar-se como tal.
Mas não é só a religião que define o assunto humildade ou o que é ser humilde.
Muitos pensadores discorreram também sobre o assunto: Immanuel Kant afirma que a humildade é a virtude central da vida, uma vez que dá uma perspectiva apropriada da moral. Para Friedrich Nietzsche, em contrapartida, a humildade é uma falsa virtude que dissimula as desilusões que uma pessoa esconde dentro de si.
A divergência tão grande entre estes dois pensadores a respeito da importância da Humildade, é porque, Nietzsche a associa à falsa modéstia, enquanto Kant a associa à simplicidade.
A humildade pressupõe sempre a simplicidade, porque o simples se aceita como é, não se interroga, não se contempla, não se considera, não se louva ou despreza, vive como respira, sem esforços de glória, sem efeitos de vergonha.
É simplesmente, sem desvios, sem afectação, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão.
Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa.
O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real.
É a vida sem mentiras, sem exagero, sem grandiloquência. É a vida insignificante, a verdadeira vida, sem a duplicidade, a complexidade, a pretensão.
Por isso ela é rara e difícil neste complexo mundo real, que só é real pelo entrelaçamento em si das causas e das funções que o pensamento se esforça por entender.
O real é complexo, de uma complexidade infinita. Poderá ser infindável descrever ou explicar uma árvore, uma flor, uma estrela, uma pedra…
Isso não as impede de serem simplesmente o que são, sem nenhuma falta, sem nenhuma duplicidade, sem nenhuma pretensão!
Nem obriga ninguém a se perder nesse infinito da descrição ou do conhecimento.
A rosa não tem porquê, floresce porque floresce, não se preocupa consigo, não deseja ser vista…
E para que complicar, tentar compreender, quando os sentidos se comprazem com ver, cheirar?
Complexo é o pensamento… Simples o olhar!
Complexidade das causas; simplicidade das funções. Complexidade do real: Simplicidade do ser…
A simplicidade não pode negar contudo a consciência do pensamento.
“Tudo é mais simples do que podemos imaginar e, ao mesmo tempo, mais intrincado do que poderíamos conceber”, dizia Goethe.
Por isso a Simplicidade não pode ser inconsciência; Simplicidade não é tolice; o espírito simples não é um simples de espírito! Ela tem consciência da auto-reflexividade; da relação do eu com o mundo e da apreensão que este faz da realidade.
Mas é o “antídoto da reflexividade” e da inteligência, que evita que estas se envaideçam, se percam em si e com isso percam o real, caiam no engano, no erro.
A Simplicidade, porque é despojamento, desprendimento, é liberdade, leveza, transparência. Simples como o ar, livre como o ar, janela aberta para o mundo, o vento que tudo traz, o vento que tudo leva, a leve aragem do pensamento…
Intelectualmente, é o senso comum, o bom senso, o julgamento recto, sem qualquer roupa da vaidade especulativa.
É a razão mínima, primeira, condição de todas, porque simples, clara, próxima do real
Não há fórmula cientifica mais simples do que E=mc2… No entanto ela é a base da complexa teoria da relatividade.
Para quê complicar, quando se pode simplificar, demorar quando se pode abreviar, obscurecer quando se pode esclarecer?
A Obscuridade disfarça a falta de profundidade… por isso, a simplicidade, seu oposto, é uma virtude intelectual.
Tendo noção disto, à complexidade de raciocínio, Descartes opôs os princípios “muito simples e muito evidentes” que utiliza, os quais tornam a sua filosofia compreensível para todos e discutível por todos.
Mas a Simplicidade além de virtude intelectual é também uma virtude moral, ou mesmo espiritual:
Transparência do olhar, pureza do coração, sinceridade do discurso, rectidão da alma ou do comportamento, espontaneidade, improvisação alegre, desinteresse, desprendimento, desprezo de provar, de prevalecer, de parecer…
Daí essa impressão que ela dá de liberdade, de leveza, de ingenuidade feliz.
“A simplicidade”, escreve Fénelon, “é uma rectidão da alma que corta qualquer volta inútil sobre si mesma e sobre suas acções. […] Ela é livre em seu trajecto, porque não pára para se compor com arte.” Ela é despreocupada, mas não descuidada: ela se ocupa do real, não de si. É o contrário do amor-próprio […] tem um sabor de candura e verdade que se faz sentir, um quê de ingénuo, de doce, de inocente, de alegre, de tranquilo, que encanta quando olhamos de perto e imediatamente com olhos puros.”
E por ser esquecimento de si, a antítese do narcisismo, da pretensão, da auto-suficiência, é que ela é uma virtude, uma graça.
É a graça dos santos… o encanto dos pecadores, a leveza dos génios.
Temos em Mozart, Schumann, Callas, essa graça, essa poesia, essa leveza, essa inocência com que compuseram ou cantaram
Ela é o Sopro do espírito dos Evangelhos: “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem recolhem em celeiros, e vosso Pai celeste as sustenta!… Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam…”
O simples sabe disso. Não se detém no supérfluo, no complexo da existência.
Segue no seu pequeno caminho, de coração leve, alma em paz. O presente é a sua eternidade, a realidade, o tempo, uma memória. Tudo o mais supérfluo, engano, ou expectativa.
Haverá coisa mais próxima do Ser Supremo, do que simplesmente existir?
Haverá por isso coisa mais santa e leve?
Para que nos preocupamos então com os cargos de Loja, cores dos dos aventais, e dos altos graus, fazendo destes uma feira de vaidades?
Não será isso contrário ao verdadeiro espírito da maçonaria, que se resume na peregrinação individual, através do desprendimento da matéria, de Ocidente para Oriente?
Quantas vezes esquecemos o que aprendemos na câmara de reflexões, aquando da nossa iniciação:
"Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem", Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta (ou Filosofal)
Marco Aurélio M.’.M.’.
RL.’. Portugal – Or.’.Leiria (GOL)
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