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A Origem do Novo Testamento

A Origem do Novo Testamento: Fé, História e a Urgência de Reexaminar as Fontes


Durante séculos, o Novo Testamento foi encarado como um testemunho direto e fiel dos apóstolos sobre a vida, os feitos e os ensinamentos de Jesus de Nazaré.


A sua autoridade teológica moldou não apenas o cristianismo, mas a cultura ocidental como um todo. Contudo, à luz das descobertas arqueológicas, linguísticas e históricas mais recentes — como as abordadas no documentário francês “Qui a écrit le Nouveau Testament?”, realizado por Laure Leibovitz —, torna-se legítimo e necessário rever essa origem com um olhar mais crítico.


A investigação apresentada na produção francesa, protagonizada por académicos de renome internacional, como epigrafistas, teólogos, historiadores e arqueólogos, põe em causa a autoria tradicionalmente atribuída aos textos evangélicos.


Afinal, quem eram, de facto, Mateus, Marcos, Lucas e João?


Terão conhecido realmente Jesus?


Escreveram eles os evangelhos tal como os conhecemos hoje?


A ausência dos nomes nos manuscritos originais


Uma das revelações centrais da investigação reside no facto de que os manuscritos mais antigos do Novo Testamento não trazem assinatura.


Os nomes dos evangelistas foram atribuídos mais tarde, numa tentativa, talvez, de conferir autoridade aos textos. Este dado por si só deveria lançar dúvidas sobre a tradicional atribuição apostólica.


O processo de transmissão oral antes da redação escrita, aliado à distância temporal dos eventos descritos, levanta outra questão fundamental: até que ponto os evangelhos representam relatos factuais, e não interpretações teológicas moldadas por comunidades cristãs já estruturadas e em conflito com o judaísmo nascente?


Escrita em grego, públicos diversos


Outro dado crucial: os evangelhos foram escritos em grego, não na língua de Jesus (aramaico), e destinavam-se a públicos gentios — ou seja, não judeus. Isto indica que o objetivo dos autores não era apenas relatar eventos históricos, mas adaptar e reinterpretar os ensinamentos de Jesus para audiências distintas, muitas vezes com diferentes contextos culturais e necessidades teológicas.


Paulo: o verdadeiro fundador?


A figura do apóstolo Paulo ganha ainda mais destaque à luz destas investigações. Para muitos estudiosos, é Paulo, e não os apóstolos originais, o verdadeiro arquiteto do cristianismo como o conhecemos.


A sua teologia — centrada na cruz, na fé, e na salvação universal — marca profundamente os escritos do Novo Testamento, ainda que ele próprio não tenha conhecido Jesus em vida.


Por que importa esta discussão hoje?


Alguns argumentarão que, independentemente da autoria, o valor espiritual dos textos permanece intacto. E é verdade que fé e historicidade não são necessariamente a mesma coisa.


No entanto, compreender como e por que os textos sagrados foram escritos pode libertar a espiritualidade de dogmas rígidos e abrir espaço para uma fé mais madura, enraizada nas questões, no diálogo e na busca de verdade.


O documentário de Leibovitz, longe de minar a fé, convida ao aprofundamento.


Mostra que a fé, para ser adulta, deve saber conviver com a dúvida, com a investigação e com a complexidade histórica dos seus próprios fundamentos.


Questionar não é destruir: é reconstruir sobre bases mais sólidas.


Manuscritos antigos e o mistério da autoria do Novo Testamento
Manuscritos antigos e o mistério da autoria do Novo Testamento

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