My Fraternity4 de set. de 20209 min para lerA MAÇONARIA E A INTRODUÇÃO DO PENSAMENTO LIBERAL NO BRASILAvaliado com 0 de 5 estrelas.Ainda sem avaliaçõesA MAÇONARIA E A INTRODUÇÃO DO PENSAMENTO LIBERAL NO BRASIL Embora difícil de definir, na realidade, o conjunto de ideias e de princípios liberais, ou seja, o liberalismo, pode, de maneira ampla e não doutrinária, ser analisado em dois terrenos: no econômico, preconiza a liberdade individual e valoriza as iniciativas privadas, em oposição à intervenção e iniciativas estatais; no social, preconiza a liberdade política, ou de consciência, em oposição à autoridade limitadora do Estado, ou da Igreja. O liberalismo, na Europa, foi um movimento social nascido no século XVIII e incrementado durante o século XIX. Suas raízes, todavia, são mais profundas, já que, no período compreendido entre a Reforma Religiosa e a Revolução Francesa, de 1789, uma nova classe social começou a se projetar, até chegar a afirmar, plenamente, os seus direitos de total participação nos destinos do Estado, derrubando, em seu caminho, os privilégios, que vinham se mantendo, em função da posição social e dos direitos de posse da terra. Os privilégios da posição social foram sendo, gradualmente, substituídos por procedimentos jurídicos, tendo por base os contratos sociais; o direito divino e o direito natural, que tornavam frouxo o poder territorial, cederam terreno ao incoercível conceito de soberania nacional; o controle da política, por parte dos latifundiários, cedeu terreno àqueles cuja influência social e econômica repousava na posse de bens móveis; o monopólio religioso teve que abrir espaço a uma pluralidade de credos; e a religião foi substituída pela ciência, como modeladora da mentalidade humana e como doutrina o progresso. Em razão direta dessas novas relações sociais, nascia uma nova filosofia: o liberalismo, difícil de descrever e de definir, a não ser quando ele é tomado, estritamente, como um corpo de doutrina. No dizer de Laski, "sem dúvida, como corpo doutrinário, está diretamente relacionado com a liberdade, pois surgiu como o inimigo dos privilégios conferidos a qualquer classe, na comunidade, em virtude de nascimento, ou credo". As ideias liberais tiveram a sua plena concretização com o marco da ascensão da burguesia, que foi a Revolução Francesa, cujas influências perduraram durante muito tempo e logo ultrapassaram os limites do continente europeu, principalmente através de estudantes, que freqüentavam as universidades francesas. Esse era o caso, por exemplo, da Universidade de Montpellier, no sul da França, no departamento de Herault, na região da antiga Província de Languedoc. Criada em 1181, a universidade sempre foi um importante centro de estudos e atraía muitos estudantes estrangeiros, inclusive do Brasil. Estima-se que, entre 1767 e 1793, quinze brasileiros estudaram em Montpellier, entrando em contato direto com o liberalismo, que, então, começava a dominar o meio intelectual e, principalmente, a já pujante Maçonaria francesa, da qual Montpellier era um grande centro, com dez Lojas, já naquela época. Muitos desses estudantes, como, por exemplo, Arruda Câmara, teriam atuação definida em movimentos liberais brasileiros, surgidos no final do século XVIII, através de sociedades secretas, semi-secretas, ou -- pelo menos de fachada -- sociedades científicas e literárias, como, por exemplo: o Areópago de Itambé, fundado por Arruda Câmara, em 1796, na divisa de Pernambuco e Paraíba; a Sociedade Científica do Rio de Janeiro, depois Sociedade Literária, que seria fechada, em 1794, pelo conde de Rezende; as Academias -- dos Esquecidos, dos Renascidos e a de Suassuna -- esta última, a mais importante, surgida em 1801; a Escola Secreta de Vicente Pereira dos Guimarães Peixoto; e assim por diante. Outros estudantes brasileiros, como José Joaquim da Maia e Barbalho, José Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa, teriam atuação na Conjuração Mineira, de 1789, a qual, embora baseada, através de seus ideólogos, em obras de Rousseau, Voltaire, Locke e Morelli, entre outros, mais do que um movimento liberal, foi um movimento econômico, onde interesses pessoais não eram descartados, embora houvesse, nela, idealistas, a pensar no interesse coletivo, tendo como paradigma do espírito liberal a Constituição dos Estados Unidos da América. A condição de maçons desses homens que estudaram na França, pode ser largamente questionada por falta de documentação comprobatória. Em relação aos conjurados citados, embora haja suspeitas, não se pode afirmar que tenham sido iniciados, pois indício, mesmo, só há em relação a Maciel, já que há, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, uma alusão a isso, feita pelo padre Penaforte, que o assistiu em confissão. Todas essas sociedades secretas, então criadas, embora pudessem ter a participação de maçons iniciados e ilustrados na Europa, não eram, na realidade, sociedades maçônicas. Mas tiveram o mérito de iniciar a introdução do pensamento liberal no Brasil, o qual só iria, realmente, se concretizar, com a criação das primeiras Lojas maçônicas e, principalmente, com a fundação da primeira Obediência maçônica nacional, o Grande Oriente do Brasil. Na Europa, todavia, outra era a situação, pois o desenvolvimento de Lojas com finalidades políticas, na França e em outras nações absolutistas, com o avanço do pensamento liberal, fazia com que a Maçonaria se tornasse bem organizada, "assumindo, politicamente, o papel de um partido revolucionário, que defende idéias e age no sentido da transformação do regime". No Brasil do início do século XIX, por outro lado, a par da ação emancipadora, teria que haver uma adaptação das idéias liberais, pois havia, no país, uma estrutura econômico-social diferente daquela da Europa: enquanto existia, nesta, uma classe comerciante forte, o Brasil ainda tinha uma sociedade predominantemente fundiária e politicamente latifundiária. Celso Furtado confirma que, "não existindo, no Brasil, em princípios do século XIX, sequer uma classe comerciante de importância -- o grande comércio era monopólio da Metrópole -- resultava que a única classe com expressão era a dos senhores agrícolas". E os jovens, que voltavam da Europa com a cabeça cheia das idéias liberais, eram exatamente dessa classe dos senhores agrícolas e não da burguesia, como aquela da França, que procurava se afirmar como poder político, estribada num considerável poder econômico. A própria classe dos senhores agrícolas, todavia, sabia que o monopólio comercial de Portugal lhe era extremamente oneroso e clamava no sentido de que o Brasil Colônia tivesse, com a máxima brevidade possível, a liberdade de comércio. E foi graças a isso que ocorreram, na época, muitas revoltas de caráter liberal, conduzidas por latifundiários ligados a organizações secretas, no embalo das idéias de independência, associadas, porém, às necessidades comerciais da classe agrícola. Foi o caso, por exemplo, da revolta de 1801, em Pernambuco, conduzida pelo barão de Suassuna, que era um rico senhor de engenho e membro do Areópago de Itambé. A abertura dos portos brasileiros, em 1808, foi apenas o corolário de uma série de acontecimentos, praticamente uma imposição econômica, a qual, segundo Celso Furtado, provocando o desaparecimento do entreposto lusitano, "logo se traduziu em baixa dos preços das mercadorias importadas, maior abundância de suprimentos, facilidades de crédito mais amplas e outras óbvias vantagens para a classe dos agricultores". Muitos pesquisadores, inclusive, consideram a abertura dos portos, ao lado da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, em 1815, como uma já evidente manifestação de independência do país. O senador Liberato de Castro Carreira, político e literato do 2º Império, afirmava, em 1889: "Quando o Brasil se declarou independente, já há muito estava no gozo de importantes direitos. (...) Desde o momento em que a Família Real transferiu de Portugal a sua residência para o Brasil, libertou-o da dependência da metrópole e firmou-lhe os direitos que jamais poderiam ser derrogados. A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 e o Decreto de 16 de dezembro, aquele abrindo os portos do Brasil ao comércio do mundo, e este elevando-o à categoria de reino, apontaram-lhe o caminho da liberdade". Começavam aí, realmente, os frutos das idéias liberais, impulsionadas, como já se viu, pelas sociedades secretas disfarçadas em academias e sociedades científicas e, principalmente, pelo incremento da criação de Lojas maçônicas, principalmente na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, sob a égide o Oriente da Ilha de França (depois, Ilha Maurício), ou do Grande Oriente Lusitano. A difusão das idéias liberais, por parte dessas Lojas, exacerbada pela Revolução Pernambucana de 1817, nitidamente liberal e de inspiração maçônica, iria desencadear uma grande perseguição às sociedades secretas, culminando com o alvará de 30 de março de 1818, que condenava essas sociedades, por considerá-las conspiradoras contra o Estado. Portugal ainda vivia um regime absolutista, que só seria derrubado com a revolução de 1820, de caráter liberal, a qual abria, ao Brasil, a possibilidade de enviar representantes às cortes portuguesas. Mas, a partir de 1821, com o renascimento ardente do movimento maçônico, que havia sido represado pela força, o liberalismo brasileiro passa a ter, na maçonaria, o foco central de difusão e de agitação. Em 1822, a agitação recrudesceria, confundindo-se, o liberalismo, com a meta de emancipação do país, tornada tão próxima, a partir do momento em que o príncipe D. Pedro, que se tornara regente através do Decreto de 22 de abril de 1821, devido à partida de seu pai para Portugal, resolvia permanecer no país, desobedecendo ao disposto no Decreto nº 124, de 29 de setembro de 1821, das Cortes de Lisboa, o qual mandava que ele regressasse a Portugal, pois "a continuação da residência do Príncipe Real no Rio de Janeiro se torna não só desnecessária, mas até indecorosa à sua alta hierarquia". Na realidade, o "Fico", de 9 de janeiro de 1822, quando o príncipe resolveu desobedecer às ordens emanadas de Lisboa, foi obra da Maçonaria brasileira, que organizou manifestos em diversas províncias, sob a liderança de homens como José Bonifácio de Andrada e Silva -- que organizou o manifesto dos paulistas -- Joaquim Gonçalves Ledo, frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio -- que redigiu o manifesto dos fluminenses -- Pedro Dias Paes Leme -- que organizou o manifesto dos mineiros -- e os dois principais líderes do episódio: José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara, e José Joaquim da Rocha, que, durante a vigência do alvará de 1818, organizara o Clube da Resistência em sua casa, onde os maçons continuavam a trabalhar. Com a meta específica de conseguir a independência do Brasil e, a partir daí, implantar o liberalismo brasileiro, mesmo contra a tendência absolutista do herdeiro da Casa de Bragança, os maçons brasileiros, no Rio de Janeiro, resolviam fundar uma Obediência maçônica, a primeira do Brasil, considerando que a Loja "Comércio e Artes", fundada em 1815 e reerguida em 1821, atraía grande número de adesões daqueles espíritos liberais, que desejavam lutar pela causa da emancipação política do Brasil. E, assim, a 17 de junho de 1822, a Loja "Comércio e Artes" formou, por sorteio entre os seus membros, mais duas Lojas, a "União e Tranqüilidade" e a "Esperança de Niterói" -- que seriam instaladas a 21 de junho -- criando, então, o Grande Oriente Brasílico (depois, do Brasil). Esse foi, na realidade, um marco do pensamento liberal, trazido da Europa e adaptado ao Brasil, pois, como muito bem situa Célia Galvão Quirino dos Santos, ao comparar o papel da Maçonaria com o das outras sociedades secretas, "sem dúvida, a maçonaria foi a que mais adeptos fez, assumindo um papel político preponderante na primeira metade do século XIX, sobretudo no processo de emancipação e formação do Império nacional. Sua vantagem sobre as demais associações, quase sempre de âmbito regional, fazia-se sentir por ter um caráter internacional e "nacional", isto é, desenvolvendo-se por toda a colônia. A introdução da maçonaria no Brasil apresenta-se com um caráter libertador, como aliás sucede nas demais colônias americanas e como difusora dos ideais liberais-democráticos". Com a fundação do Grande Oriente, ganhava novo impulso a luta pela independência, que, logo depois, iria se tornar realidade. Mas, embora ela se situasse no terreno das revoluções de feição liberal-nacionalista, típicas dos primeiros decênios do século XIX, algumas de suas características a diferenciavam daquelas. No dizer de Carlos Guilherme Mota, "no caso brasileiro é difícil dizer até que ponto foi liberal, até que ponto foi nacional, não diremos a ‘revolução’, mas a ‘emancipação’ política de 22. No caso das potências européias ocidentais, essas revoluções têm, num e noutro aspecto, contornos muito mais nítidos. Para o Brasil, entretanto, é difícil dizer-se até que ponto há penetração de idéias liberais em harmonia com interesses internos de ordem econômica; para o caso do nacionalismo é difícil igualmente dizer-se da emancipação correspondente ideológica e cultural, dos costumes, estilo de vida, etc., para que esse nacionalismo adquira expressão". O Grande Oriente do Brasil, nesse movimento emancipador, passara a funcionar como o "partido" liberal brasileiro e, numa posição radicalizada, acabaria pugnando por uma total independência em relação a Portugal, vendo, como solução para o momento, a instalação da monarquia constitucional. Visando exclusivamente a independência, o liberalismo brasileiro, capitaneado pelos maçons, afastara-se dos ideais republicanos, mas a solução não republicana, ou seja, a da monarquia constitucional, era imperativa, diante da estrutura social brasileira e das circunstâncias da época, já que a inexistência de uma burguesia relevante e o total predomínio da classe fundiária impediam a formação de uma república, em moldes democráticos. Com uma estrutura social de senhores de terras e escravos, o liberalismo brasileiro, após a independência, só poderia se organizar dentro da monarquia constitucional, até que as modificações da sociedade, à custa, principalmente, do grande afluxo de europeus, a partir da terceira década do século XIX, trazendo, inclusive, uma mentalidade empresarial, tornassem possível a implantação do regime republicano. O que importa considerar, no caso, é a fundamental participação -- não negada por nenhum pesquisador imparcial -- da Maçonaria brasileira, através do Grande Oriente do Brasil, a partir de 1822, na introdução das idéias liberais no Brasil, na sua manutenção e no seu posterior aperfeiçoamento. (Parte final) Autor: José Castelan A MAÇONARIA E A INTRODUÇÃO DO PENSAMENTO LIBERAL NO BRASIL #Pensamento #Artigo #Brasil #José #Castelan
A MAÇONARIA E A INTRODUÇÃO DO PENSAMENTO LIBERAL NO BRASIL Embora difícil de definir, na realidade, o conjunto de ideias e de princípios liberais, ou seja, o liberalismo, pode, de maneira ampla e não doutrinária, ser analisado em dois terrenos: no econômico, preconiza a liberdade individual e valoriza as iniciativas privadas, em oposição à intervenção e iniciativas estatais; no social, preconiza a liberdade política, ou de consciência, em oposição à autoridade limitadora do Estado, ou da Igreja. O liberalismo, na Europa, foi um movimento social nascido no século XVIII e incrementado durante o século XIX. Suas raízes, todavia, são mais profundas, já que, no período compreendido entre a Reforma Religiosa e a Revolução Francesa, de 1789, uma nova classe social começou a se projetar, até chegar a afirmar, plenamente, os seus direitos de total participação nos destinos do Estado, derrubando, em seu caminho, os privilégios, que vinham se mantendo, em função da posição social e dos direitos de posse da terra. Os privilégios da posição social foram sendo, gradualmente, substituídos por procedimentos jurídicos, tendo por base os contratos sociais; o direito divino e o direito natural, que tornavam frouxo o poder territorial, cederam terreno ao incoercível conceito de soberania nacional; o controle da política, por parte dos latifundiários, cedeu terreno àqueles cuja influência social e econômica repousava na posse de bens móveis; o monopólio religioso teve que abrir espaço a uma pluralidade de credos; e a religião foi substituída pela ciência, como modeladora da mentalidade humana e como doutrina o progresso. Em razão direta dessas novas relações sociais, nascia uma nova filosofia: o liberalismo, difícil de descrever e de definir, a não ser quando ele é tomado, estritamente, como um corpo de doutrina. No dizer de Laski, "sem dúvida, como corpo doutrinário, está diretamente relacionado com a liberdade, pois surgiu como o inimigo dos privilégios conferidos a qualquer classe, na comunidade, em virtude de nascimento, ou credo". As ideias liberais tiveram a sua plena concretização com o marco da ascensão da burguesia, que foi a Revolução Francesa, cujas influências perduraram durante muito tempo e logo ultrapassaram os limites do continente europeu, principalmente através de estudantes, que freqüentavam as universidades francesas. Esse era o caso, por exemplo, da Universidade de Montpellier, no sul da França, no departamento de Herault, na região da antiga Província de Languedoc. Criada em 1181, a universidade sempre foi um importante centro de estudos e atraía muitos estudantes estrangeiros, inclusive do Brasil. Estima-se que, entre 1767 e 1793, quinze brasileiros estudaram em Montpellier, entrando em contato direto com o liberalismo, que, então, começava a dominar o meio intelectual e, principalmente, a já pujante Maçonaria francesa, da qual Montpellier era um grande centro, com dez Lojas, já naquela época. Muitos desses estudantes, como, por exemplo, Arruda Câmara, teriam atuação definida em movimentos liberais brasileiros, surgidos no final do século XVIII, através de sociedades secretas, semi-secretas, ou -- pelo menos de fachada -- sociedades científicas e literárias, como, por exemplo: o Areópago de Itambé, fundado por Arruda Câmara, em 1796, na divisa de Pernambuco e Paraíba; a Sociedade Científica do Rio de Janeiro, depois Sociedade Literária, que seria fechada, em 1794, pelo conde de Rezende; as Academias -- dos Esquecidos, dos Renascidos e a de Suassuna -- esta última, a mais importante, surgida em 1801; a Escola Secreta de Vicente Pereira dos Guimarães Peixoto; e assim por diante. Outros estudantes brasileiros, como José Joaquim da Maia e Barbalho, José Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa, teriam atuação na Conjuração Mineira, de 1789, a qual, embora baseada, através de seus ideólogos, em obras de Rousseau, Voltaire, Locke e Morelli, entre outros, mais do que um movimento liberal, foi um movimento econômico, onde interesses pessoais não eram descartados, embora houvesse, nela, idealistas, a pensar no interesse coletivo, tendo como paradigma do espírito liberal a Constituição dos Estados Unidos da América. A condição de maçons desses homens que estudaram na França, pode ser largamente questionada por falta de documentação comprobatória. Em relação aos conjurados citados, embora haja suspeitas, não se pode afirmar que tenham sido iniciados, pois indício, mesmo, só há em relação a Maciel, já que há, nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, uma alusão a isso, feita pelo padre Penaforte, que o assistiu em confissão. Todas essas sociedades secretas, então criadas, embora pudessem ter a participação de maçons iniciados e ilustrados na Europa, não eram, na realidade, sociedades maçônicas. Mas tiveram o mérito de iniciar a introdução do pensamento liberal no Brasil, o qual só iria, realmente, se concretizar, com a criação das primeiras Lojas maçônicas e, principalmente, com a fundação da primeira Obediência maçônica nacional, o Grande Oriente do Brasil. Na Europa, todavia, outra era a situação, pois o desenvolvimento de Lojas com finalidades políticas, na França e em outras nações absolutistas, com o avanço do pensamento liberal, fazia com que a Maçonaria se tornasse bem organizada, "assumindo, politicamente, o papel de um partido revolucionário, que defende idéias e age no sentido da transformação do regime". No Brasil do início do século XIX, por outro lado, a par da ação emancipadora, teria que haver uma adaptação das idéias liberais, pois havia, no país, uma estrutura econômico-social diferente daquela da Europa: enquanto existia, nesta, uma classe comerciante forte, o Brasil ainda tinha uma sociedade predominantemente fundiária e politicamente latifundiária. Celso Furtado confirma que, "não existindo, no Brasil, em princípios do século XIX, sequer uma classe comerciante de importância -- o grande comércio era monopólio da Metrópole -- resultava que a única classe com expressão era a dos senhores agrícolas". E os jovens, que voltavam da Europa com a cabeça cheia das idéias liberais, eram exatamente dessa classe dos senhores agrícolas e não da burguesia, como aquela da França, que procurava se afirmar como poder político, estribada num considerável poder econômico. A própria classe dos senhores agrícolas, todavia, sabia que o monopólio comercial de Portugal lhe era extremamente oneroso e clamava no sentido de que o Brasil Colônia tivesse, com a máxima brevidade possível, a liberdade de comércio. E foi graças a isso que ocorreram, na época, muitas revoltas de caráter liberal, conduzidas por latifundiários ligados a organizações secretas, no embalo das idéias de independência, associadas, porém, às necessidades comerciais da classe agrícola. Foi o caso, por exemplo, da revolta de 1801, em Pernambuco, conduzida pelo barão de Suassuna, que era um rico senhor de engenho e membro do Areópago de Itambé. A abertura dos portos brasileiros, em 1808, foi apenas o corolário de uma série de acontecimentos, praticamente uma imposição econômica, a qual, segundo Celso Furtado, provocando o desaparecimento do entreposto lusitano, "logo se traduziu em baixa dos preços das mercadorias importadas, maior abundância de suprimentos, facilidades de crédito mais amplas e outras óbvias vantagens para a classe dos agricultores". Muitos pesquisadores, inclusive, consideram a abertura dos portos, ao lado da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, em 1815, como uma já evidente manifestação de independência do país. O senador Liberato de Castro Carreira, político e literato do 2º Império, afirmava, em 1889: "Quando o Brasil se declarou independente, já há muito estava no gozo de importantes direitos. (...) Desde o momento em que a Família Real transferiu de Portugal a sua residência para o Brasil, libertou-o da dependência da metrópole e firmou-lhe os direitos que jamais poderiam ser derrogados. A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 e o Decreto de 16 de dezembro, aquele abrindo os portos do Brasil ao comércio do mundo, e este elevando-o à categoria de reino, apontaram-lhe o caminho da liberdade". Começavam aí, realmente, os frutos das idéias liberais, impulsionadas, como já se viu, pelas sociedades secretas disfarçadas em academias e sociedades científicas e, principalmente, pelo incremento da criação de Lojas maçônicas, principalmente na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, sob a égide o Oriente da Ilha de França (depois, Ilha Maurício), ou do Grande Oriente Lusitano. A difusão das idéias liberais, por parte dessas Lojas, exacerbada pela Revolução Pernambucana de 1817, nitidamente liberal e de inspiração maçônica, iria desencadear uma grande perseguição às sociedades secretas, culminando com o alvará de 30 de março de 1818, que condenava essas sociedades, por considerá-las conspiradoras contra o Estado. Portugal ainda vivia um regime absolutista, que só seria derrubado com a revolução de 1820, de caráter liberal, a qual abria, ao Brasil, a possibilidade de enviar representantes às cortes portuguesas. Mas, a partir de 1821, com o renascimento ardente do movimento maçônico, que havia sido represado pela força, o liberalismo brasileiro passa a ter, na maçonaria, o foco central de difusão e de agitação. Em 1822, a agitação recrudesceria, confundindo-se, o liberalismo, com a meta de emancipação do país, tornada tão próxima, a partir do momento em que o príncipe D. Pedro, que se tornara regente através do Decreto de 22 de abril de 1821, devido à partida de seu pai para Portugal, resolvia permanecer no país, desobedecendo ao disposto no Decreto nº 124, de 29 de setembro de 1821, das Cortes de Lisboa, o qual mandava que ele regressasse a Portugal, pois "a continuação da residência do Príncipe Real no Rio de Janeiro se torna não só desnecessária, mas até indecorosa à sua alta hierarquia". Na realidade, o "Fico", de 9 de janeiro de 1822, quando o príncipe resolveu desobedecer às ordens emanadas de Lisboa, foi obra da Maçonaria brasileira, que organizou manifestos em diversas províncias, sob a liderança de homens como José Bonifácio de Andrada e Silva -- que organizou o manifesto dos paulistas -- Joaquim Gonçalves Ledo, frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio -- que redigiu o manifesto dos fluminenses -- Pedro Dias Paes Leme -- que organizou o manifesto dos mineiros -- e os dois principais líderes do episódio: José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara, e José Joaquim da Rocha, que, durante a vigência do alvará de 1818, organizara o Clube da Resistência em sua casa, onde os maçons continuavam a trabalhar. Com a meta específica de conseguir a independência do Brasil e, a partir daí, implantar o liberalismo brasileiro, mesmo contra a tendência absolutista do herdeiro da Casa de Bragança, os maçons brasileiros, no Rio de Janeiro, resolviam fundar uma Obediência maçônica, a primeira do Brasil, considerando que a Loja "Comércio e Artes", fundada em 1815 e reerguida em 1821, atraía grande número de adesões daqueles espíritos liberais, que desejavam lutar pela causa da emancipação política do Brasil. E, assim, a 17 de junho de 1822, a Loja "Comércio e Artes" formou, por sorteio entre os seus membros, mais duas Lojas, a "União e Tranqüilidade" e a "Esperança de Niterói" -- que seriam instaladas a 21 de junho -- criando, então, o Grande Oriente Brasílico (depois, do Brasil). Esse foi, na realidade, um marco do pensamento liberal, trazido da Europa e adaptado ao Brasil, pois, como muito bem situa Célia Galvão Quirino dos Santos, ao comparar o papel da Maçonaria com o das outras sociedades secretas, "sem dúvida, a maçonaria foi a que mais adeptos fez, assumindo um papel político preponderante na primeira metade do século XIX, sobretudo no processo de emancipação e formação do Império nacional. Sua vantagem sobre as demais associações, quase sempre de âmbito regional, fazia-se sentir por ter um caráter internacional e "nacional", isto é, desenvolvendo-se por toda a colônia. A introdução da maçonaria no Brasil apresenta-se com um caráter libertador, como aliás sucede nas demais colônias americanas e como difusora dos ideais liberais-democráticos". Com a fundação do Grande Oriente, ganhava novo impulso a luta pela independência, que, logo depois, iria se tornar realidade. Mas, embora ela se situasse no terreno das revoluções de feição liberal-nacionalista, típicas dos primeiros decênios do século XIX, algumas de suas características a diferenciavam daquelas. No dizer de Carlos Guilherme Mota, "no caso brasileiro é difícil dizer até que ponto foi liberal, até que ponto foi nacional, não diremos a ‘revolução’, mas a ‘emancipação’ política de 22. No caso das potências européias ocidentais, essas revoluções têm, num e noutro aspecto, contornos muito mais nítidos. Para o Brasil, entretanto, é difícil dizer-se até que ponto há penetração de idéias liberais em harmonia com interesses internos de ordem econômica; para o caso do nacionalismo é difícil igualmente dizer-se da emancipação correspondente ideológica e cultural, dos costumes, estilo de vida, etc., para que esse nacionalismo adquira expressão". O Grande Oriente do Brasil, nesse movimento emancipador, passara a funcionar como o "partido" liberal brasileiro e, numa posição radicalizada, acabaria pugnando por uma total independência em relação a Portugal, vendo, como solução para o momento, a instalação da monarquia constitucional. Visando exclusivamente a independência, o liberalismo brasileiro, capitaneado pelos maçons, afastara-se dos ideais republicanos, mas a solução não republicana, ou seja, a da monarquia constitucional, era imperativa, diante da estrutura social brasileira e das circunstâncias da época, já que a inexistência de uma burguesia relevante e o total predomínio da classe fundiária impediam a formação de uma república, em moldes democráticos. Com uma estrutura social de senhores de terras e escravos, o liberalismo brasileiro, após a independência, só poderia se organizar dentro da monarquia constitucional, até que as modificações da sociedade, à custa, principalmente, do grande afluxo de europeus, a partir da terceira década do século XIX, trazendo, inclusive, uma mentalidade empresarial, tornassem possível a implantação do regime republicano. O que importa considerar, no caso, é a fundamental participação -- não negada por nenhum pesquisador imparcial -- da Maçonaria brasileira, através do Grande Oriente do Brasil, a partir de 1822, na introdução das idéias liberais no Brasil, na sua manutenção e no seu posterior aperfeiçoamento. (Parte final) Autor: José Castelan A MAÇONARIA E A INTRODUÇÃO DO PENSAMENTO LIBERAL NO BRASIL #Pensamento #Artigo #Brasil #José #Castelan
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