A JUSTIÇA DEVE PRESTAR CONTAS
Posição e Comunicado públicos da Direção da Associação dos EX-Deputados à Assembleia da República (AEDAR)
A sociedade portuguesa tem vindo, com perplexidade e sobressalto, a dar-se conta que o sistema de justiça, em função de sucessivos procedimentos sem evidência de coerência ou adequada fundamentação, tem vindo a contribuir para a quebra de confiança dos cidadãos na boa aplicação da justiça.
De entre as várias questões que suscitam preocupação avultam as relativas à investigação criminal que, sem esclarecimentos consistentes junto da opinião pública, têm contribuído para adensar um sentimento de intranquilidade por parte dos cidadãos que se interrogam sobre a isenção de instituições que têm por missão primordial garantir o cumprimento da Constituição e da lei.
O recurso a formas de intrusão desproporcionada na esfera da vida privada ou a ingerência em critérios típicos da vida política - de que são exemplo o recurso imoderado e banalizado a escutas telefónicas, a operações de busca executadas sob os holofotes do estado espetáculo, a detenções por períodos muito além do constitucionalmente previsto, a recorrentes violações do segredo de justiça com consequências indisfarçáveis sobre a normalidade da vida pública e a proteção dos direitos de personalidade -, constituem exemplos manifestos de uma prática abusiva que não pode deixar ficar indiferentes todos os que, ao longo dos anos, se bateram pela realização de um Estado de Direito digno desse nome.
A eficácia da prevenção e do combate ao crime, que é um desiderato permanente das garantias democráticas de legalidade e de responsabilidade, não dispensa, antes impõe, a existência de um processo leal em que todos sejam tratados com respeito pelas 1 garantias constitucionalmente consagradas e não como entes desarmados perante formas de poder agindo discricionariamente.
Assim, perante a agudizar dos fatores de instabilidade e desconfiança quanto ao normal funcionamento do sistema judicial e judiciário, a Direção da AEDAR vem declarar a sua total concordância com o Manifesto “POR UMA REFORMA DA JUSTIÇA, EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO”, recentemente subscrito por uma centena de cidadãos dos mais diversos quadrantes políticos e ideológicos mas identificados, no seu conjunto, com os valores e princípios fundamentais do Estado de Direito, com as regras constitucionais da separação de poderes e com o primado da proteção dos direitos fundamentais – bem como reafirmar a sua proposta já apresentada no documento intitulado “DECLARAÇÃO PARA A QUALIDADE DA DEMOCRACIA”, divulgado no passado dia 26 de Abril.
Como em tal Declaração se refere, a Direção da AEDAR considera da maior pertinência que os partidos políticos com representação parlamentar possam gerar condições para uma avaliação aprofundada dos aspetos fundamentais da ação da justiça: Empreender, na base de uma ampla audição parlamentar e consequente relatório conclusivo, uma rigorosa avaliação do sistema de justiça, entendido como pilar fundamental do Estado de Direito e em relação ao qual se considera indispensável um consenso alargado que clarifique, designadamente: as condições sociais do acesso à justiça, os tempos de duração dos processos e a efetividade do cumprimento dos prazos processuais, a compatibilidade das regras mais intrusivas de obtenção de prova com as garantias de um processo justo, os riscos dilatórios dos excessos de litigância, a responsabilidade pelas violações recorrentes do segredo de justiça, a relevância do estatuto da vítima e do estatuto do arguido em processo penal, as possibilidades de utilização de modalidades de justiça consensual, a conciliação do princípio da autonomia e da regra de responsabilidade hierárquica do Ministério Público com a necessidade de prestação institucional de informação sobre métodos e resultados, os deveres de prestação de contas por parte dos principais órgãos do sistema judiciário, a ponderação da 2 utilidade de um Conselho de Acompanhamento Regular do Sistema de Justiça que agregue os seus operadores fundamentais, a revisão das exigências da formação inicial e em continuidade das magistraturas, designadamente em domínios de especialização, a situação da justiça administrativa e fiscal no quadro geral do sistema de justiça, as possibilidades de simplificação processual e de regulação extrajudicial de conflitos.
Para além da proposta supra referida, sobretudo tendo em conta o continuado agravamento da opacidade dos procedimentos judiciários, considera-se ainda da maior importância que, em especial, a Procuradoria Geral da República, na pessoa do seu mais alto responsável, esclareça cabalmente a opinião pública sobre os seguintes aspetos inerentes ao exercício das suas responsabilidades institucionais e legais, inscritas no Estatuto do MP: - Justificação cabal para a omissão de emissão da Diretiva devida para regulação das regras internas do regime de dependência hierárquica e de responsabilidade dos Magistrados do MP; - Conhecimento da Diretiva legalmente exigida relativa à regulamentação da recolha administrativa de elementos e informações em fase pré-processual; - Conhecimento da Diretiva legalmente exigida relativa à definição de critérios para atribuição de processos aos diversos órgãos policiais de investigação criminal; - Conhecimento das ações legalmente exigíveis, até agora efetuadas, de fiscalização dos diversos órgãos de investigação criminal, destinadas a verificar o grau de cumprimento da legalidade e de garantia de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos; - Conhecimento dos critérios hierárquicos exigíveis para assegurar a prevenção e a investigação das sistemáticas e graves violações do segredo de justiça.
Mais se considera legítimo exigir que os relatórios periódicos – designadamente o Relatório Anual da atividade do MP - sejam apreciados na Assembleia da República devendo, na circunstância, a Procuradora Geral da República responder, nessa sede, pelos 3 dados e orientações dele constantes ou que dele devessem constar.
A omissão de tal procedimento representa, na opinião da Direção da AEDAR, um défice muito sério de assunção de responsabilidades políticas e institucionais no quadro do funcionamento normal do Estado de Direito Democrático, tanto da parte da Assembleia da República como do Ministério Público.
Como tal, formula-se publicamente o presente apelo, ao Senhor Presidente da Assembleia da República, à Direção dos Grupos Parlamentares, ao Governo e ao próprio Presidente da República, a quem cabe garantir o regular funcionamento das instituições democráticas, para que todos concorram para devolver a indispensável confiança no funcionamento do sistema de justiça.
Lisboa, 25/06/2024
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