Pensamentos: - A MINHA NOÇÃO DE ALMA
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A tradição cultural da Humanidade utilizou sempre o vocábulo "alma", nos sentidos mais diversos.
Lembrei-me, por isso, de me perguntar o que era, para mim, a "alma". Não perfilho o dualismo corpo-alma, o que significa que tenho dificuldade em aceitar uma alma separada de um corpo vivo. Na sua exacta configuração, eu creio que a alma acaba quando cessar o corpo.
O que não acaba são os seus efeitos póstumos. A alma, para mim, é a possibilidade que nos é dada para atribuirmos significado a tudo o que nos rodeia. Sem alma não existiria amor, nem afeição, nem beleza, nem virtude, nem justiça, nem Valor. Na sua forma mais tosca, os seres humanos são puras máquinas fisiológicas . E , o que é pior, máquinas fisiológicas perigosas e predadoras.
A alma identifica-se com a auto-consciência e esta com a capacidade de valoração. Claro que a alma necessita de matérias-primas para que possa atribuir significados. Um poeta sem palavras não poderia fazer poesia ; um escultor sem mármores, ou pedras, ou massas argilosas, ficava impedido de esculpir figuras ; um ser humano sem alma-gémea ( ou o que supõe sê-lo ) fica sem poder amar.
Ora, quando atribuímos significado às coisas, esse significado tem muitas vezes posteridade, ou seja, perdura para além da vida física de quem atribuiu os significados. A autoconsciência ganhou autonomia. Os trabalhos de Fídias, as telas de Van Gogh, os amores de Shakespeare, sobreviveram , como efeito derivado, à morte física, fisiológica , da alma. Mais : até o amante morto sobrevive na partida, através das lágrimas do amado que ficou.
Se a alma existe ? Claro que existe. Sem ela não existiria essa coisa singular chamada Cultura.", in, A.H.