Antes da formação de Portugal como estado separado no ocidente da Península, diversas outras unidades políticas surgiram e subsistiram por algum tempo em parte do seu futuro território. Entre elas nunca existiu continuidade.
Muito se tem escrito sobre a influência que esses estados teriam exercido no nascimento de Portugal e na sua permanência como Nação. Mas as provas são dúbias, e à serena objectividade histórica têm-se sempre sobreposto objectivos patrióticos de encontrar tradições antigas para o novo reino.
Em passado tão remoto, parece difícil descobrir mais do que raízes, e estas mesmas bastante ténues.
O reino dos Suevos
Entre os povos bárbaros que invadiram a Espanha nos começos do século v, os Suevos desempenharam um dos principais papéis. Chegando por terra ou por mar, já em 411 haviam atingido o distante Noroeste, estabelecendo-se na Gallaecia como foederati e, a pouco e pouco, emergindo num forte reino. A sua história é toda ela confusão e obscuridade. E as fontes documentais mostram-se tão escassas que não resta aos historiadores esperança de quadro mais claro até se ter avançado consideravelmente no campo da arqueologia.
Por volta de 419, depois de se terem visto livres dos Alanos e dos Vândalos, os Suevos ficaram sós em campo e dividiram a Gallaecia com os indígenas. Como de costume, escolheram as zonas rurais e viraram as costas às cidades onde a população romana foi deixada em paz. O seu número era obviamente escasso, e diminuto foi o cunho que imprimiram na região. Não mais que meia dúzia de topónimos suevos parece terem sobrevivido até hoje. Não obstante, mostrou-se grande a sua combatividade, que durante muito tempo desafiou o domínio visigodo na Península. Pelos meados do século v, apogeu do império suevo na Espanha, este povo exercia soberania sobre a Gallaecia, Lusitânia, Baetica e parte da Cartaginensis,, efectuando razias contra a Tarraconensis.
Como a maioria dos outros reinos bárbaros, contudo, o seu declínio foi tão rápido como o seu crescimento.
O refluxo da maré trouxe os Visigodos ao próprio coração da monarquia sueva: Bracara foi atacada e tomada (456) e o rei Rechiarius feito prisioneiro e morto em Portucale (457).
Uma nova dinastia, encetada por Maldra (ou Masdra), salvou o reino suevo de morte prematura. Quer como tributária dos Visigodos, quer coexistindo com eles numa área muito reduzida, a monarquia dos Suevos conseguiu durar mais de cem anos.
Após um segundo período de combates contra os Visigodos (457-469) - em que os Suevos tiveram de evacuar Olisipone (469), conquistada num derradeiro avanço para sul - torna-se completo o silêncio que cai sobre eles. Aparentemente, conseguiram manter uma linha fronteiriça que incluía-a Gallaecia e os dois bispados lusitanos de Veseo e Conimbriga, mais tarde transformados em quatro. Em suma, conseguiram conservar o Norte.
Nem sequer sabemos se a dinastia de Masdra consistia em Suevos autênticos, ou se o rei com seus descendentes eram apenas indígenas (isto é, romanos) tintos de algum sangue suevo e reclamando a herança real sueva. Esta segunda possibilidade explicaria muito melhor a quase completa ausência de vestígios bárbaros tanto na Gallaecia como na Lusitânia. Fosse como fosse, o elemento romano veio depressa ao de cima e os bispos romanos cristãos ajudaram a organizar e a enquadrar a monarquia.
Os Suevos eram originariamente pagãos. Por volta de 448, Rechiarius fez-se católico, desafiando assim os Visigodos, empedernidos na fé ariana. Por 465, Remismundus ou Recchismundus, filho de Masdra, converteu-se ao arianismo, provavelmente para manter o reino livre de conquista visigoda. Todavia, em meados do século vi, a influência e o crescimento da fé católica levaram os dirigentes suevos a nova conversão.
Um missionário romano da Pannonia, Martinus (o futuro S. Martinho de Dume), talvez mandado por Constantinopla com objectivos político-religiosos (Justiniano empreendia ao tempo a conquista de toda a Espanha), chegou à Gallaecia (550) e rapidamente pôde exercer uma enorme influência sobre a élite dirigente, se não sobre o povo. A conversão pessoal do rei Chararicus data desse mesmo ano. Contudo, parece que, neste caso, a influência de Martinus tem de ser posta em dúvida, porque a conversão do monarca se explica melhor pelos contactos havidos com a monarquia franca e pelo prestígio de S. Martinho de Tours.
Só em 559, no tempo de Theodemirus, se verificou segunda e decisiva conversão, desta vez partilhada por rei e corte.
A reacção visigoda não se deu logo, mas quando veio foi brutal e definitiva. Cerca de 576 começou a campanha contra os Suevos. Depois de um breve intervalo, o último monarca suevo, Andeca, foi atacado e derrotado em Bracara e Portucale. O seu reino ficou incorporado no estado godo (585). De real interesse para o futuro Portugal só há que sublinhar a organização eclesiástica dos Suevos. Já se falou da fundação de novas dioceses - Egitania, Lamecum, Portucale e Tude. Mas Bracara e Lucus continuaram a desempenhar o papel maior. As suas cidades eram as mais importantes do reino, as verdadeiras « capitais».
No século vi, as actas do segundo concílio de Bracara (572) mostram que dois centros metropolitanos coincidiam com elas, cada qual com seu número de bispados dependentes. Bracara dirigia as dioceses de Dumio, Portucale, Lamecum, Veseo, Conimbriga e Egitania. A linha divisória com Lucus passava no rio Lima. O facto interessante neste agrupamento está em que as dioceses de Lamecum, Veseo, Conimbriga e Egitania, outrora incluídas na província metropolitana de Emerita (Lusitânia), se atribuíam agora a Bracara (Gallaecia) por causa da nova unidade política". (parcial), in, Professor doutor Oliveira Marques