UMA HISTÓRIA DE VEZ EM QUANDO!
CONTAR UM CONTO É COMUNICAR, É APRENDER
Quando contamos um conto e partilhamos as palavras mágicas da Tradição, estamos a aprender, estamos a ensinar, estamos por excelência no acto de comunicar.
Todo o aprender é comunicar!
Por sua vez, comunicar é estar em relação com, é agir. Partindo do pressuposto de que basta estarmos presentes para estarmos a agir e, por assim dizer, a comunicar: é impossível não comunicar. A comunicação não tem antítese. Estamos constrangidos a comunicar seja qual for o tipo de comunicação que se estabeleça com o outro no quotidiano: verbal ou não-verbal, pela palavra ou pelo silêncio. O compromisso da relação encontra-se sempre presente.
Como afirmava a Prof.ª Isabel Cardigos num trabalho seu: «As Histórias, para sobreviverem têm de ser contadas. Têm que correr, ir e voltar, transformando-se. Se uma história não voa, não vai e vem e volta a ir, então perde energia para viver. Também podem ir dormir para dentro das páginas de um livro, na esperança de que quem o abra não a leia baixinho, só para si mesmo, mas a leia alto, com a voz e com o corpo, fazendo-a voar para quem esteja a ouvi-las.»
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AS TRÊS CIDRAS DO AMOR
Conto tradicional recolhido em Évora por Bernardino Barbosa em Setembro de 1912
Era um príncipe e andava à caça e deu-lhe sede. E foi a uma fonte. Estava uma velha com uma joeira [espécie de peneira, para separar o trigo do joio e de outras sementes com que está misturado; ciranda, crivo] a enchê-la com cascas de ovos. E o príncipe riu-se de ver aquilo.
E a velha disse-lhe assim: - Ai o menino ri-se! Pois deixe estar que não lhe hei-de dar as três cidras de amor. E o príncipe pediu-lhe muito as cidras de amor e a velha no fim deu-lhas: - Parta-as quando quiser mas olhe não parta as três ao mesmo tempo. E o príncipe foi-se. E morto de curiosidade e partiu uma. E apareceu-lhe uma menina muito bonita e disse assim: - Dá-me pão para comer, água para beber e pente para me pentear senão morro. E o príncipe não tinha ali pão para a menina comer, nem água para ela beber, nem pente para se pentear e a menina morreu. E depois o príncipe com curiosidade vai e partiu outra. O mesmo: uma menina ainda mais bonita: - Dá-me pão para comer, água para beber e pente para me pentear senão morro. E morreu. E o príncipe foi a um monte e pediu pão e veio para o pé de uma fonte e partiu a outra cidra. Apareceu outra menina ainda mais bonita e pediu o mesmo. E ele deu-lhe pão e a menina comeu e deu-lhe água e ela bebeu mas pente é que não tinha e disse-lhe que esperasse ela um instantinho que ele ia ao palácio buscar um pente. E a menina subiu para cima de uma árvore que estava ao pé da fonte. E veio uma preta à fonte e quando ela vê a cara da menina na água. E julgou que era a cara dela e disse assim: - Ai, como sou bonita! E a menina ouviu aquilo e deu uma gargalhada. E a preta olhou para cima e viu a menina. E começou a chamá-la e a dizer-lhe para descer da árvore. E a menina desceu e a preta espetou-lhe dois alfinetes na cabeça, um de cada lado. E a menina formou-se numa pomba e fugiu. E a preta subiu para a árvore. Nisto vem o príncipe. Olha para cima quando ele vê a preta e ficou muito admirado: - Então eu deixei-a tão branca e agora vejo-a tão preta? - Foi o sol. - Eu deixei-a com dois olhos e agora vejo-a só com um? porque a preta era resmelgada [apresentava defeito físico nos olhos]. - Foi um pau. E o príncipe lá levou a preta para o palácio. E um dia o hortelão do príncipe foi ao jardim e quando ele vê uma pombinha muito bonita e a pombinha disse-lhe assim: - Hortelanito de mi horta , como vai el-rei com a sua preta, feia, cachorra e torta? E o hortelão foi contar ao príncipe e o príncipe disse-lhe para ele lhe armar um laço. E o hortelão armou-lhe um laço de corda. E veio a pombinha e viu o laço e disse: - Os meus pezinhos de prata não caem em laços de corda. E abalou a fugir. E o hortelão veio contar ao príncipe. - Pois arma-lhe um laço de prata. E o hortelão armou-lhe um laço de prata. E veio a pombinha e viu o laço e disse: - Os meus pezinhos de ouro não caem em laços de prata. E abalou a fugir. E o hortelão veio contar ao príncipe. - Pois arma-lhe um laço de ouro. E o hortelão armou-lhe um laço de ouro. E veio a pombinha e viu o laço e deixou-se apanhar. E o hortelão trouxe a pombinha ao príncipe. E o príncipe gostou muito da pombinha e mandou-lhe fazer uma gaiola. E a preta assim que viu a pombinha conheceu-a logo. E fez-se doente. E tinha um fastio que não comia nada. E apeteceu a pombinha. E o príncipe ficou muito triste mas para lhe fazer a vontade mandou buscar a pombinha. E começou a correr-lhe a mão pela cabeça e sentiu uma cousa e foi ver e viu um alfinete; e vai a tirá-lo e nisto a pombinha formou-se metade em menina. E tirou-lhe o outro alfinete e formou-se em menina toda. E então ela contou-lhe tudo. E o príncipe ficou muito contente e tratou logo do casamento com a menina e perguntou-lhe o que se havia de fazer da preta e a menina disse: - Dos ossos quero uma cadeira para me assentar e da pele um tambor para tocar. E assim foi e bendito louvado está o meu conto acabado, in Revista Lusitana - Vol. XVIII (1915). R. A.