Romances, vida sexual e casamentos - Descobrimentos
Apesar da forte contestação e perseguição a bordo dos navios da carreira da Índia, movida pelos padres às mulheres, chegaram a ocorrer romances e casamentos em pleno mar. Em 1545, um caso vivido na nau Burgalesa terminou em casamento. A história ligou um cavaleiro que se apaixonou pela filha de um outro passageiro ilustre e que pediu a sua mão em casamento. Porém, a celebração teve lugar apenas em Goa. Contrariamente, em 1562 ocorreram dois casamentos numa nau. O primeiro deles teve o consentimento de todos, por não se registar qualquer impedimento, enquanto que o segundo ocorreu clandestinamente, em virtude de o capitão do navio ter proibido tal união, tendo alegado que havia suspeita de “cunhadio”. É que inicialmente o homem e a mulher haviam dito que viajavam enquanto cunhados, pelo que num momento posterior não conseguiram provar o contrário.
Como se desenrolava a vida sexual a bordo dos navios que partiam para a Índia transportando, por norma, cerca de 500 homens, poucas mulheres e que, em média, demoravam perto de seis meses a finalizar a viagem? Sobre este tema, como seria de esperar, as fontes não são muito expressivas. Todavia, adivinha-se com facilidade, e comprova-se com alguns dados disponíveis, que os mais ousados tentavam toda a sorte de expedientes para se aproximarem das mulheres embarcadas, se bem que às vezes com consequências trágicas ou então simplesmente caricatas.
Vivendo num espaço marcado pela promiscuidade e em que praticamente não havia privacidade, exceptuando no caso daqueles que tinham compartimentos dos navios reservados, é muito provável que tenham sido frequentes as situações de flagrante sexual e consequente aplicação de castigos, podendo mesmo levar à morte, ainda que muitas também devam ter sido abafadas e nem sempre penalizadas. Em todo o caso, no tempo de Afonso de Albuquerque, Rui Dias, português de boa linhagem oriundo de Alenquer, foi apanhado na câmara da nau do governador com uma escrava. O caso ocorreu na Ásia, tendo Rui Dias, ao que parece, sido encontrado em flagrante sexual com essa mulher.
Consequentemente, foi condenado ao enforcamento, sendo que nem o apelo de outros portugueses fez Albuquerque recuar.
Olhando para o caso da prostituição a bordo, algo que seria frequente, parece-nos que as mulheres que iam como prostitutas estavam apenas ao alcance de um pequeno grupo de homens onde se incluíam capitães, pilotos, mestres e armadores, a não ser que, por vezes, eles não tivessem conhecimento da sua presença ou permitissem o contacto com homens comuns. Contudo, muitas mulheres que ficaram conotadas com a prostituição poderiam vir apenas como mancebas. Numa carta de 1532, o bispo D. Fernando Vaqueiro queixou-se ao rei de que tinha viajado muito desgostoso para a Índia devido a Vicente Gil (armador da nau Graça) vir publicamente amancebado, consentindo que alguns oficiais viessem na mesma situação. O bispo repreendeu Vicente Gil por várias vezes, até porque o escrivão da nau requereu previamente ao armador que cessassem tais situações, mas o homem não ligou ao que era dito nem às penas que D. João III tinha decretado para quem trouxesse mulheres a bordo.
Embora a prostituição tenda a ser vista como uma actividade desenfreada, a verdade é que seria controlada e levada a cabo em certos locais que aqueles poucos homens tinham acesso. Porém, esta situação das prostitutas estarem apenas disponíveis para um pequeno grupo de homens acabaria por ser um enorme problema e podia gerar conflitos graves, visto que muitos dos que tinham conhecimento da sua presença ou que testemunhavam actos sexuais também sentiam necessidade de satisfazer os seus impulsos. Não conseguindo comprazer o desejo sexual com aquelas que iam embarcadas, os homens que viajavam para o ultramar tinham que esperar até que os navios fizessem escala nalgum local e pudesse haver contacto com alguma mulher, situação que levava meses. Todavia, é possível que devam ter havido momentos de maior liberdade em que as mulheres possam ter estado envolvidas com um número mais elevado de homens e em espaços à vista de muitos outros, se bem que esse fosse um factor para maior desordem a bordo e perigo quanto à navegação, daí também as sucessivas queixas dos missionários.
Seja como for, é preciso atenuar, de facto, o peso da prostituição, visto que nem todas as mulheres eram prostitutas. Por outro lado, e embora numa condição social diferente, sendo esposas de homens importantes, órfãs, etc., outras mulheres poderiam vir a ter problemas com homens durante o percurso. Viajando entre centenas de indivíduos, muitos deles criminosos de delito comum saídos das prisões, aquelas que não estivessem na protecção dos seus maridos ou de homens importantes poderiam ser alvo de um assédio desenfreado. Mesmo as que vinham na companhia dos maridos e que, com o decorrer da viagem, ficavam viúvas, poderiam a partir daí ser um alvo fácil.
Em 1608, na atribulada e trágica viagem da nau Nossa Senhora da Salvação, que naufragou na costa de Mombaça, iam embarcadas três órfãs do recolhimento do castelo de Lisboa, estando confiadas a uma passageira de consideração. O capitão da nau, D. Luís de Sousa, andou desinquietando as órfãs, tanto a bordo como em Mombaça, onde a tripulação se acolheu depois do naufrágio. Acabou por ser ordenada uma averiguação, a propósito do comportamento do impulsivo capitão e de este pretender devassar o recato das jovens passageiras, uma das quais acabou por morrer durante a viagem. A bordo da nau seguia igualmente um embaixador do rei da Pérsia, o qual foi assaltado pelos fidalgos, que tomaram o seu dinheiro à força. Por estes incidentes, pelo naufrágio da nau e possivelmente por outros que ficaram por conhecer, o capitão D. Luís de Sousa, posteriormente, andou homiziado.
Tentando procurar e entrar em contacto com mulheres clandestinas ou que vinham isoladas e sob protecção, alguns homens poderiam embocar em situações bastante caricatas e ser alvo do registo escrito dos missionários. Veja-se, por exemplo, o caso de um homem morto por ferimentos de um tubarão depois de se ter atirado ao rio para tentar ver melhor as mulheres que seguiam a bordo de uma nau da carreira da Índia:
“Morreram muitos [durante a viagem para a Índia] entre os quais foi um mancebo que, andando nadando no rio, e segundo alguns diziam era para ir ver umas mulheres que estavam em a varanda do leme [do navio], e andando assim nadando veio um tubarão que lhe levou uma coxa da perna que lhe não deixou mais que o osso e assim um pedaço de um braço. Acudiram-lhe logo e o trouxeram para a terra, onde o enterraram e queira Nosso Senhor que estivesse confessado, ou ao menos com contrição dos seus pecados e esperança de misericórdiaa hora da sua morte. Aqui verão, caríssimos irmãos quanto bem é estar em graça com Nosso Senhor e aparelhados para todas as horas”.
O caso remonta a 1562, altura em que se fazia escala em Moçambique. É muito provável que estas mulheres que o homem tentava ver fossem órfãs, moças que, geralmente, iam ao cuidado de senhoras da nobreza. Contudo, isso não impedia que a sua presença suscitasse grande curiosidade entre as tripulações e demais passageiros. De modo a evitar situações problemáticas, estas mulheres viajavam fechadas num camarote da nau, normalmente à popa, mas com acesso a uma varanda.
Numa deslocação entre Lisboa e os portos asiáticos e vice-versa, se houvessem mulheres grávidas a bordo ou que engravidassem já no mar, o nascimento poderia ocorrer durante a viagem. Note-se que normalmente este tipo de viagens duravam 6 meses, mas nalguns casos, se fosse necessário invernar, era possível que se atingisse um ano e meio. Em 1610, de acordo com o padre francês Francisco Pyrard de Laval, durante a torna-viagem e antes da chegada ao cabo da Boa Esperança, uma dama mestiça oriunda da Índia, mulher de um português, muito bela e com cerca de trinta anos, entrou em trabalho de parto em pleno mar. Acabou por ter a criança, mas ambas morreram, tendo sido lançadas ao mar., in, Torre Tombo