POSTAL DO DIA
Manuela Eanes lutará até ao seu último dia
(a favor de uma petição que proteja as crianças marcadas pela violência em casa)
Estive ontem ao telefone com Manuela Eanes. Era hora de almoço e ela quis contar-me do tanto que tem para fazer. Das dezenas de conversas que ainda lhe faltavam, das pessoas que precisava de sensibilizar, dos argumentos irrefutáveis, das cabeças duras de alguns, da extrema convicção com que encarava todos os princípios das manhãs.
Cada novo dia uma oportunidade para combater pelo lado justo.
Cada nova manhã uma oportunidade para dar o melhor de si, o melhor que é capaz para que às crianças não possa ser negado o estatuto de vítima quando veem, sentem e são marcadas pela violência em casa.
2.
“Sabe, Luís… os meus olhos já viram tanta coisa. Tantas crianças que assistiram à morte das mães, crianças para quem a normalidade eram os espancamentos constantes, as violações domésticas, crianças que se foram deitar anos a fio sem saber se a sua mãe poderia resistir mais um dia”.
Não sei se foi assim que a fundadora do Instituto de Apoio à Criança, e eterna Primeira Dama, me disse.
Sei que não me apeteceu que a conversa terminasse.
E sei que todos os dias, apesar dos seus 81 anos, se levanta com o alento de que há sempre mais uma pessoa para sensibilizar.
3.
Até porque o combate é justo.
E mais de 45 mil pessoas assinaram uma petição. Uma petição que alerta os deputados para uma lei dúbia que não protege as crianças. Que não as protege das interpretações por vezes frias dos juízes, que faz depender da interpretação subjetiva o que deveria ser inquestionável.
4.
O parlamento não aprovou uma proposta nesse sentido feita o ano passado (creio) pelo BE e pelo PAN. Mas Manuela Ramalho Eanes não desistiu.
E insistiu.
Foi à luta todos os dias.
E espera ver outra vez discutido o tema no parlamento. E estará lá se for preciso. E fará o que for preciso pela defesa das crianças que ficarão marcadas para sempre, que ficarão traumatizadas para sempre, muitas delas que perderão a capacidade de perceber o amor, o afeto, a compaixão.
Vai à luta todos os dias.
E telefona, telefona, telefona.
E chateia. Incomoda. Persiste.
Não tinha de o fazer. E não gosta que se saiba.
Mas faz. E vai. E assume o estatuto que tem para que ao menos a possam ouvir.
“Peço desculpa de incomodar, é a Manuela Eanes e adoraria que me pudesse dar dois minutos do seu tempo”.
É isto que diz aos que não conhece.
Como se fosse ela que estivesse a pedir um favor, como se não fosse uma das mais extraordinárias portuguesas, alguém que, como Ramalho Eanes, sempre fez o que tinha em cada momento de ser feito. Sem bicos dos pés, sem cinismo, sem ressentimento, com um profundo sentido de responsabilidade.
Ele.
E ela.
Manuela que a esta hora deve estar ao telefone.
“Peço desculpa de incomodar”
“São dois minutos”
LO
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