Gostei imenso deste "postal" do Luís Osório e creio ser útil dar conta do mesmo, a quem o entenda por bem.
POSTAL DE FIM-DE-SEMANA
A violência doméstica nada tem a ver com amor.
1.
Mais uma mulher morreu esta semana.
E na outra antes.
Desde o princípio do ano quase vinte.
Quando um homem bate numa mulher está a abusar da sua única superioridade: a força física. Essa e uma outra, mais difícil de contornar, a da bafienta herança histórica em que os homens podiam fazer o que quisessem das suas mulheres, podiam bater-lhes, podiam servir-se quando e como quisessem, podiam impedi-las de viajar por estarem protegidos pelo Código Civil a uso antes de abril de 1974.
2.
Como jornalista ouvi homens confessarem que batiam porque não aguentavam o ciúme. Que batiam por amor porque não suportavam ser “encornados”. Ou por não aguentarem a mera ideia de que um dia isso poderia acontecer. Ou por estarem cansados e a comida já não ser do seu agrado. Ou porque chegavam bêbados a casa e descarregavam. Ou porque as crianças faziam barulho e ela não as conseguia controlar. Vi e ouvi de tudo. E cada um de nós conhece estas histórias.
3.
A violência doméstica é democrática. Não é apenas nos lugares de miséria, atinge todas as classes, atinge gente que lê e não lê. Que tem dinheiro e não tem. Que é culta e analfabeta. Que gosta de Bach ou de Emanuel.
Uma vez um homem feito – preso por ter abatido a sua mulher – confessou-me que o fizera por tanto a amar.
Nunca mais me esqueci da sua voz.
“Matei-a por tanto a amar”, disse-me numa visita que fiz ao Estabelecimento prisional de Izeda, perto de Bragança.
E todos ouvimos esta justificação várias vezes.
Foi por amor.
Amor uma *****.
A violência doméstica nada tem a ver com amor. Tem a ver com cobardia, despeito, animalidade. Só isso. Não me falem em amor. A violência, a perseguição, o horror entre quatro paredes é a antítese do amor. Nas sombras não há possibilidade de recomeço. E quem bate uma vez continuará a bater, é uma questão de oportunidade.
É bom existirem dias que nos recordem o tanto que existe para ser feito. Mas também é bom que exista a coragem para mudar o paradigma.
Em nome de um mundo mais decente, limpo e humano.
LO