UMA BORBOLETA NO VATICANO
" (texto publicado no meu blogue "Livre e Humano" - agora inactivo - no dia 22 de Setembro de 2008)
A Praça de S. Pedro, em Roma, regurgitava de preces e de transeuntes devotos. Era um marulhar de formigas em alvoroço, muito compenetradas, graves e tingidas de cores neutras. Embora estivesse calor, os corpos encontravam-se suficientemente tapados, não fossem os mesmos lembrar alguma orgia romana, talvez outrora perpetrada no Fórum, nesse espaço por longos tempos desprezado, mas de onde se fizeram transportar (às ocultas ?) parte dos soberbos mármores, outrora dedicados ao hino glorificador dos deuses vencidos.
Hoje, o Deus vencedor – tão longe do humilde espírito do Rabi galilaico… – blasona a sua condição de triunfador incontestável, decretando as nostalgias de Infinito nos corações e as imposições de pudicícia nos corpos. Todas os templos católicos de Roma ostentam à entrada um cartaz morigerador, onde se encontram desenhadas minuciosamente as peças de roupa consentidas e aquelas que são vistas como indutoras do pecado.
Foi então que a vi. Não teria mais de dezassete ou dezoito anos. Fresca como o rocio da manhã. Amarela na roupa escassa e rosada na face risonha. Um anátema insultuoso em pleno Vaticano ! E a matéria do seu corpo, essa famigerada condição de humano desejo, esse pressuposto teológico de decadência, simbolizaria, para todos os que quisessem realmente VER, o viço das regras de Vitrúvio e a superioridade estética do paganismo.
Como uma borboleta amarela, rutilante de graça e de paradoxo, a rapariga volitou por entre a gente parda de S. Pedro e acabou por desaparecer numa esquina.
Do alto da arcaria, os Santos, os Anjos e os Arcanjos respiraram de alívio.", in, A.H.