Levei os meus cães ao veterinário para a rotina das vacinas e vivi um momento que não esquecerei. O consultório tem vários técnicos e auxiliares, mas peço sempre a mesma médica para os atender. É uma mulher bonita, alegre e delicada, que nos acolhe com um sorriso optimista.
Por defeito de ofício, aproveito sempre estas ocasiões para observar se as pessoas se mantêm amáveis apesar das contrariedades, e, felizmente, encontro sempre quem regenere o resto da humanidade - esta é mais uma. A meio da intervenção, no meio do dramalhão que os meus cães sempre fazem quando lhes apontam uma seringa, oiço-a dizer: “Meu Deus, esqueci-me da aula de piano do meu filho!” Mas como, depois disto, tapou a cara com as mãos durante algum tempo, julguei que estava a rir-se.
Perguntei-lhe então se queria ir a casa, que não me importaria nada de esperar. Não estava a rir-se, mas a chorar convulsivamente, e, depois de se recompor, pediu desculpa: “Sabe? Custa-me muito. Tenho sempre trabalho aqui, são muitas horas fora de casa, e o meu filho fica sempre para último lugar. Não é que ele se importe muito de perder a aula, até deve gostar, mas eu é que não me perdoo quando o trabalho me faz esquecer dele!”
Vim para casa com uma impressão no peito que me custou a identificar.
Sempre que encontro almas assim, revelando sem filtros a sua vulnerabilidade e perdidas do seu arquétipo simbólico, sinto-me sempre grosseira.
Aquela coisa de nos obrigarem a ser fortes à custa de uma máscara que nos vai endurecendo, sabem? E ainda me lembrei: o destino é macaco.
Sendo grandiosa, esta mulher tão nova e, de certa forma, fundadora do futuro, vê-se obrigada a pôr os gatos e os cães, todos os dias, à frente do filho, e, ao fim de tantos anos de prática, ainda não encontrou uma energia psíquica que a absolva - Deus a abençoe